Sigam-me no Twitter alexfromipanema e leiam minhas poesias em alexsartorelli.blogspot.com
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mh á jurado!
Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san' e vivo:
Ai Deus, e u é
Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv' e sano:
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san' e vivo
e seerá vosc' ant' o prazo sa'ido:
Ai Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é viv' e sano
e seerá vosc' ant' o prazo passado:
Ai Deus, e u é?
Dom Diniz
domingo, 20 de dezembro de 2009
Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.
Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim , se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?
Sá de Miranda
sábado, 19 de dezembro de 2009
Cântico negro
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo
Oh, que famintos beijos na floresta!
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
Camões
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Don Juan
Canto IX
17
Que sais-je?, esse mote de Montaigne
É uma verdade mais do que curial.
É duvidoso tudo o que se ganhe
Por mais que nos pareça natural,
Certeza não existe, tudo é vão e
Fugaz como é a condição mortal.
Tão pouco nós sabemos desta vida
Que a dúvida da dúvida duvida.
Byron
Tradução de Augusto de Campos
17
'Que sais-je?' was the motto of Montaigne,
As also of the first academicians:
That all is dubious which man may attain,
Was one of their most favourite positions.
There 's no such thing as certainty, that 's plain
As any of Mortality's conditions;
So little do we know what we 're about in
This world, I doubt if doubt itself be doubting.
Byron
domingo, 13 de dezembro de 2009
Via Láctea
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora! "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
O meu avô...
Eu só acredito em duas.
RODRIGUES, Daniel Maia-Pinto. "O meu avô acreditava em cinco coisas". De Malva 62, 2005. In: Poemas portugueses. Antologia da poesia portuguesa do século XIII ao século XXI. Seleção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage. Porto Editora: 2009.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
I-Juca-Pirama (trechos)
Que agora anda errante"
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
.........................................................................
........................................................................
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
.........................................................................
........................................................................
VIII
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
“Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
“Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde festas como asco e terror!
“Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E o oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sé maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
.........................................................................
........................................................................
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!
“Eu vi o brioso no largo terreiro
cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
parece que o vejo,
Que o tenho nest'hora diante de mim.
“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
do que ele contava,
Tomava prudente: "Meninos, eu vi!”
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Este seja o poema
Teu pai e mãe fodem contigo.
Que não o queiram, tanto faz.
Legam-te cada podre antigo,
além de uns novos, especiais.
Mas de cartola e fraque, outrora,
fodera-os já do mesmo modo,
gente ora austero-piegas,
ora se engalfinhando cega de ódio.
Passa-se a dor adiante: fossas
num mar que só fica mais fundo.
Dá o fora, pois, tão logo possas
sem pôr nenhum filho no mundo.
Philip Larkiin
Tradução se Nelson Ascher
This be the verse
They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.
But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another's throats.
Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
And don't have any kids yourself.
Philip Larkin
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
A garupa da vaca era palustre e bela,
uma penugem havia em seu queixo formoso;
e na fronte lunada onde ardia uma estrela
pairava um pensamento em constante repouso.
Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela
que do fundo do sonho eu às vezes esposo
e confunde-se à noite à outra imagem daquela
que ama me amamentou e jaz no último pouso.
Escuto-lhe o mugido ? era o meu acalanto,
e seu olhar tão doce inda sinto no meu:
o seio e o ubre natais irrigam-me em seus veios.
Confundo-os nessa ganga informe que é meu canto:
semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu
o leite e a suavidade a manar de dois seios.
Jorge de Lima
domingo, 29 de novembro de 2009
MADEMOISELLE FURTA-COR
Por esta fenda te desvendo
Por esta fresta
cravo
sonda contra esponja
e babo
e te penetro
teso e reto, e por inteiro
o teu corpo se entreabre:
porta e perno, caixa e coxa
Por esta fenda
tenda
de pele que se franze
e rasga
eu me adentro
feito de espera e de esperma
e espremo —te aporto— e exprimo
toda a cor da carne do amor que escrevo.
Por esta fenda me espreito
Por esta fenda me desvendo.
Armando Freitas Filho
De A mão livre (1979)
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Mar portuguez
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
terça-feira, 3 de novembro de 2009
O Lutador
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.
Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
outra sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.
O ciclo do dia
ora se consuma
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
O infinito de Leopardi
Erma, e esta sebe, que de tanta parte
Do último horizonte, o olhar exclui.
Mas sentado a mirar, intermináveis
Espaços além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e uma calma profundíssima
Eu crio em pensamentos, onde por pouco
Não treme o coração. E como o vento
Ouço fremir entre essas folhas, eu
O infinito silêncio àquela voz
Vou comparando, e vêm-me a eternidade
E as mortas estações, e esta, presente
E viva, e o seu ruído. Em meio a essa
Imensidão meu pensamento imerge
E é doce o naufragar-me nesse mar.
Giacomo Leopardi
(tradução de Vinicius de Moares)
domingo, 1 de novembro de 2009
Aquela triste e leda madrugada
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
saía, dando ao mundo claridade,
viu apartar-se de uma outra vontade,
que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
de que uns e outros olhos derivadas
se acrescentaram em grande e largo rio.
Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso às almas condenadas
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Noites Loucas — Noites Loucas!
Noites Loucas — Noites Loucas!
Estivesse eu contigo
Noites Loucas seriam
Nosso luxuoso abrigo!
Para Coração em porto —
Ventos — são coisas fúteis —
Bússolas — dispensáveis —
Portulanos — inúteis!
Navegando em pleno Éden —
Ah, o Mar!
Quem dera — esta Noite — em Ti
Ancorar!
Emily Dickinson
Tradução: Paulo Henriques Britto
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Alta traição
Seu fulgor abstrato
é intangível.
Porém (embora soe mal)
daria a vida
por dez lugares seus,
certa gente,
portos, bosques de pinhos,
fortalezas,
uma cidade desfeita,
gris, mostruosa,
várias figuras de sua história,
montanhas
-- e três ou quatro rios.
José Emilio Pacheco
Tradução de Antonio Cicero
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
nalgum lugar em que eu nunca estive
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas
e. e. cummings
( tradução: Augusto de Campos )
somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience, your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near
your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully, misteriously) her first rose
or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the colour of its countries,
rendering death and forever with each breathing
(i do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands
e.e. cummings
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Sou este azul que me convida
E transcrevo a paz, o sol dos dias.
E também, parto. E também ardo.
Depois disso desse suposto eu abreviado,
tão transparente e nítido, mas
tão transitivo
apenas gestos rasos que são cardos,
apenas pedras fundas que sao sombras,
pequenos meteoritos que são conchas
de deuses antiquissimos e cansados.
João Rui de Sousa
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
O POEMA
no som. Uma toada.
Raramente uma canção. Devia
ser uma canção — feita de
minúcias, vespas,
uma genciana — algo
imediato, tesoura
aberta, olhos
de uma dama — despertando
centrífuga, centrípeta.
William Carlos Williams
(Tradução de José Paulo Paes)
The Poem
It's all in
the sound. A song
Seldom a song. It should
be a song—made of
particulars, wasps,
a gentian—something
immediate, open
scissors, a lady's
eyes—waking
centrifugal, centripetal
William Carlos Williams
domingo, 30 de agosto de 2009
Triunfo da morte
Francesco Petrarca
(tradução de Luís Vaz de Camões)
Aquela bela dama e gloriosa,
Que hoje é nu ’spírito e pouca terra,
E foi alta coluna e valorosa;
Tornava com grande honra de sua guerra,
Deixando já vencido o grande inimigo,
Que com seu doce fogo o mundo aterra.
Não com mais armas que respeito altivo,
Honestidade em rosto e pensamento,
Coração casto e de virtude amigo.
Grande espanto era ver tal vencimento,
As armas d’amor rotas e desfeitas,
E os vencidos dele em mor tormento.
A bela dama e as outras eleitas
Se vinham gloriando da vitória,
Em bela esquadra juntas e restreitas.
Poucas eram, que rara é vera glória,
Mas dinas, da primeira à derradeira,
De claríssimo poema e de história.
Traziam, por insígnia, na bandeira
Em campo verde um branco armelino
D’ouro fino, e topazes a coleira.
Não humano, certamente, mas divino
Era o seu doce andar, e o que diziam:
Ditosa é a que nasce a tal destino.
Estrelas e sol em meio pareciam,
Em cujo resplendor o seu consiste;
De rosas coroadas todas iam.
Como nobre coração que honra aquiste,
Cada uma em sua virtude se alegra,
Quando outra insígnia vi escura e triste,
E uma fera dona em veste negra.
Com tal furor, qual eu não sei se atrás,
No tempo dos gigantes fosse em Flegra.
Chamou, e disse: donzela, tu que vás
De beleza e virtude alterada,
De tua vida o termo não saberás?
Eu sou a importuna acelerada,
Chamada de vós, gente surda e cega,
A quem morte vem antecipada.
Eu sou a que matei a gente grega
E troiana, e no último os romãos,
Que todos minha foice corta e cega.
Não deixo povos gentios nem cristãos,
Chego quando por mim menos se espera,
Atalho mil pensamentos, todos vãos.
E a vós, quando mais ledo o viver era,
Endereço meu curso, antes que a fortuna
Misture em vossa doce a sua fera.
Já nestas tu não tens razão alguma,
E em mim pouca, que em minha morte,
Respondeu a que no mundo foi uma,
Outrem sei a quem mais dura é a sorte,
Cuja vida do meu viver depende,
Que o morrer, quanto a mim, será deporte.
Qual é quem grave coisa e nova entende,
Ou vê o que no princípio não lembrou,
E ora se maravilha, ora resprende.
Tal foi a cruel; e depois que cuidou
Um pouco em si, disse: bem conheço eu
Se dá o meu golpe em cheio ou se errou.
Depois, com melhor semblante e menos seu
Disse: tu que a fremosa esquadra guias,
Inda não experimentaste o tosco meu.
Mas, se de meu conselho algo te fias,
Que forçar te posso: por melhor se tem
Fugir velhice e os seus tristes dias.
Eu sou disposta a te fazer um bem
Que não costumo; e é que tua alma vá
Sem aquele medo e dor que a morte tem.
Como apraz ao Senhor, que em cima está,
E rege o céu, e a terra, e o abisso,
Farás de mim o que dos outros será.
Em respondendo assi, eis d’improviso
De mortos se cobriu toda a campanha,
De multidão que excede o humano siso.
A índia, o Cataio, África e Espanha,
Tudo estava coberto até os extremos
Daquela infinita turba manha.
Entre eles, os que por felices temos,
Pontífices, e reis, e imperadores,
Que ora são nus e pobres, como vemos.
Que foi de suas riquezas e primores?
Dos ceptros e vestiduras reais?
Das mitras e das purpúreas cores?
Triste o que a esperança põe em bens mortais!
Mas quem a não põe? Que se depois se achar
Enganado, o remédio é por demais.
Ó cegos que aproveita o afadigar?
Que logo vos tornais à madre antiga,
E muito pouco o vosso nome há-de durar.
E se alguma há, entre vós, útil fadiga,
Ou se são todas puras vaidades,
Qual mais souber de vós esse mo diga.
Que val ganhardes reinos e cidades,
Fazerdes tributárias muitas gentes,
Forçardes nações livres e vontades?
Que achais nessas vitórias eminentes?
Trocar sangue por terra e por tesouro?
Melhor sabe na paz aos prudentes
O pão e água no pau, que a vós no ouro.
Mas por não prosseguir tão longo tema
Acabarei, e a meu lavor me torno.
E digo que já era na hora extrema
Aquela breve vida gloriosa,
No passo em que nenhum há que não trema.
Com ela estava outra valerosa
Companhia de donas, que esperava
Saber se alguma morte há piedosa.
Atentas eram quantas ali estavam
A contemplar o fim que ela fazia,
Que tal convém fazer aos que acabam.
Estando assi a nobre companhia,
Da loura cabeça, morte lhe cortou,
A trança que seus cabelos tecia.
Assi do mundo a mais bela flor levou,
Não por ódio, mas por mais cedo mostrar
Que para reinar na glória se criou.
Tristes prantos e querelas ouvi dar,
Sendo os seus belos olhos já enxutos,
De cujo nome me soía abrasar.
Entre gritos e lágrimas e lutos
Estava ela só leda e calada,
De seu casto viver colhendo os frutos.
Vai-te em paz, alma bem-aventurada,
Diziam, e era assi; mas nada val
Contra a morte cruel e acelerada.
Que será de nós? Pois esta que era tal
Ardeu em tão breve tempo e acabou
falsa e cega esperança humanall
Se de lágrimas a terra se banhou,
Com piedade daquela alma gentil,
Sabe-o quem o viu e experimentou.
Na hora prima do dia sexto d’Abril,
Em que fui preso a morte me desatou;
Que assi muda fortuna o seu estilo vil.
Quem de dura servidão mais se queixou,
Ou da morte, como eu da liberdade
E da vida, que sem ela me ficou?
Devido era ao mundo e à idade
Não preceder a da véspera ao da prima,
Nem tirar-se-lhe a ele a dignidade.
Qual fosse a sua dor que não se estima
Ousado só a cuidá-lo eu não seria,
Quanto mais a escrevê-lo em prosa ou rima.
Acabada é a virtude e a cortesia
Se ouvia lamentar junto do leito
Pelas donas e amigas que ali havia.
Quem verá mais em dama auto perfeito,
Quem ouvirá seu falar de saber cheio,
E a voz de tão suave deleito?
O espírito, por deixar o doce seio
Com todas as virtudes, anojado,
Fazia em toda a parte o ar sereio.
Nenhum dos adversários foi ousado
De aparecer ali com vista escura,
Até que a morte o assalto houve acabado.
Deposto já o medo e a tristura,
Ao belo rosto cada uma olhava,
Por desesperação feita segura.
Não como chama, que por força acaba,
Mas que por si se gasta e consume,
Se foi dentre nós a que o mundo ornava.
A modo de um suave e claro lume,
A que falta sustância e nutrimento,
a Que no fim tem usado costume;
Mais alva que a neve que sem vento
Em gracioso campo se vê cair,
Estava ela no fim do passamento.
Quase em belos olhos um doce dormir,
Sendo o espírito já partido dela!
Parecia o seu morrer o ressurgir,
E o seu lindo rosto morte bela!
Quella leggiadra e glorïosa donna,
ch'è oggi ignudo spirto e poca terra
e fu già di valor alta colonna,
tornava con onor da la sua guerra,
allegra, avendo vinto il gran nemico,
che con suo' ingegni tutto 'l mondo atterra,
non con altr'arme che col cor pudico
e d'un bel viso e de' pensieri schivi,
d'un parlar saggio e d'onestate amico.
Era miracol novo a veder ivi
rotte l'arme d'Amore, arco e saette,
e tal morti da lui, tal presi e vivi.
La bella donna e le compagne elette,
tornando da la nobile vittoria,
in un bel drappelletto ivan ristrette.
Poche eran, perché rara è vera gloria;
ma ciascuna per sé parea ben degna
di poema chiarissimo e d'istoria.
Era la lor vittorïosa insegna
in campo verde un candido ermellino,
ch'oro fino e topazi al collo tegna.
Non uman veramente, ma divino
lor andar era e lor sante parole:
beato s'è qual nasce a tal destino.
Stelle chiare pareano; in mezzo, un sole
che tutte ornava e non togliea lor vista;
di rose incoronate e di viole.
E come gentil cor onore acquista,
così venia quella brigata allegra,
quando vidi un'insegna oscura e trista:
et una donna involta in veste negra,
con un furor qual io non so se mai
al tempo de' giganti fusse a Flegra,
si mosse e disse: - O tu, donna, che vai
di gioventute e di bellezze altera,
e di tua vita il termine non sai,
io son colei che sì importuna e fera
chiamata son da voi, e sorda e cieca
gente a cui si fa notte inanzi sera.
Io ho condotto al fin la gente greca
e la troiana, a l'ultimo i Romani,
con la mia spada la qual punge e seca,
e popoli altri barbareschi e strani;
e giugnendo quand'altri non m'aspetta,
ho interrotti mille penser vani.
Or a voi, quando il viver più diletta,
drizzo il mio corso inanzi che Fortuna
nel vostro dolce qualche amaro metta. -
- In costor non hai tu ragione alcuna,
ed in me poca; solo in questa spoglia
(rispose quella che fu nel mondo una).
Altri so che n'avrà più di me doglia,
la cui salute dal mio viver pende;
a me fia grazia che di qui mi scioglia. -
Qual è chi 'n cosa nova gli occhi intende,
e vede ond'al principio non s'accorse,
di ch'or si meraviglia e si riprende,
tal si fe' quella fera, e poi che 'n forse
fu stata un poco: - Ben le riconosco, -
disse - e so quando 'l mio dente le morse. -
Poi col ciglio men torbido e men fosco
disse: - Tu che la bella schiera guidi
pur non sentisti mai del mio tosco.
Se del consiglio mio punto ti fidi,
ché sforzar posso, egli è pur il migliore
fuggir vecchiezza e' suoi molti fastidi.
I' son disposta a farti un tal onore
qual altrui far non soglio, e che tu passi
senza paura e senz'alcun dolore. -
- Come piace al Signor che 'n cielo stassi
et indi regge e tempra l'universo,
farai di me quel che degli altri fassi. -
Così rispose: ed ecco da traverso
piena di morti tutta la campagna,
che comprender nol pò prosa né verso;
da India, dal Cataio, Marrocco e Spagna
el mezzo avea già pieno e le pendici
per molti tempi quella turba magna.
Ivi eran quei che fur detti felici,
pontefici, regnanti, imperadori;
or sono ignudi, miseri e mendici.
U' sono or le ricchezze? u' son gli onori
e le gemme e gli scettri e le corone
e le mitre e i purpurei colori?
Miser chi speme in cosa mortal pone
(ma chi non ve la pone?), e se si trova
a la fine ingannato è ben ragione.
O ciechi, el tanto affaticar che giova?
Tutti tornate a la gran madre antica,
e 'l vostro nome a pena si ritrova.
Pur de le mill' è un'utile fatica,
che non sian tutte vanità palesi?
Chi intende a' vostri studii sì mel dica.
Che vale a soggiogar gli altrui paesi
e tributarie far le genti strane
cogli animi al suo danno sempre accesi?
Dopo l'imprese perigliose e vane,
e col sangue acquistar terre e tesoro,
vie più dolce si trova l'acqua e 'l pane,
e 'l legno e 'l vetro che le gemme e l'oro.
Ma per non seguir più sì lungo tema,
tempo è ch'io torni al mio primo lavoro.
I' dico che giunta era l'ora estrema
di quella breve vita glorïosa,
e 'l dubbio passo di che 'l mondo trema,
et a vederla un'altra valorosa
schiera di donne non dal corpo sciolta,
per saper s'esser pò Morte pietosa.
Quella bella compagna era ivi accolta
pure a vedere e contemplare il fine
che far convensi, e non più d'una volta:
tutte sue amiche e tutte eran vicine.
Allor di quella bionda testa svelse
Morte co la sua mano un aureo crine:
così del mondo il più bel fiore scelse,
non già per odio, ma per dimostrarsi
più chiaramente ne le cose eccelse.
Quanti lamenti lagrimosi sparsi
fur ivi, essendo que' belli occhi asciutti
per ch'io lunga stagion cantai et arsi!
E fra tanti sospiri e tanti lutti
tacita e sola lieta si sedea,
del suo ben viver già cogliendo i frutti.
- Vattene in pace, o vera mortal dea! -
diceano; e tal fu ben, ma non le valse
contra la Morte in sua ragion sì rea.
Che fia de l'altre, se questa arse et alse
in poche notti e sì cangiò più volte?
O umane speranze cieche e false!
Se la terra bagnar lagrime molte
per la pietà di quella alma gentile,
chi 'l vide il sa; tu 'l pensa che l'ascolte.
L'ora prima era, il dì sesto d'aprile,
che già mi strinse, et or, lasso, mi sciolse:
come Fortuna va cangiando stile!
Nessun di servitù giammai si dolse,
né di morte, quant'io di libertate
e de la vita ch'altri non mi tolse.
Debito al mondo e debito a l'etate,
cacciar me innanzi ch'ero giunto in prima,
né a lui torre ancor sua dignitate.
Or qual fusse il dolor qui non si stima,
ch'a pena oso pensarne, non ch'io sia
ardito di parlarne in versi o 'n rima.
- Virtù more, bellezza e leggiadria! -
le belle donne intorno al casto letto
triste diceano - Omai di noi che fia?
chi vedrà mai in donna atto perfetto?
chi udirà il parlar di saver pieno
e 'l canto pien d'angelico diletto? -
Lo spirto, per partir di quel bel seno,
con tutte sue virtuti, in sé romito,
fatto avea in quella parte il ciel sereno.
Nessun degli avversari fu sì ardito
ch'apparisse già mai con vista oscura
fin che Morte il suo assalto ebbe fornito.
Poi che deposto il pianto e la paura
pur al bel volto era ciascuna intenta,
per desperazïon fatta sicura,
non come fiamma che per forza è spenta,
ma che per sé medesma si consume,
se n'andò in pace l'anima contenta,
a guisa d'un soave e chiaro lume
cui nutrimento a poco a poco manca,
tenendo al fine il suo caro costume.
Pallida no, ma più che neve bianca
che senza venti in un bel colle fiocchi,
parea posar come persona stanca.
Quasi un dolce dormir ne' suo' belli occhi,
sendo lo spirto già da lei diviso,
era quel che morir chiaman gli sciocchi:
Morte bella parea nel suo bel viso.
Francesco Petrarca
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Cino
Mas é tudo a mesma coisa;
E cantarei ao sol.
Lábios, palavras, e lhes armamos armadilhas,
Sonhos, palavras, e são como jóias,
Estranhos bruxedos de velha divindade,
Corvos, noites, carícia:
E eis que não o são;
Já se tornaram almas de canção.
Olhos, sonhos, lábios, e a noite vai-se.
Em plena estrada, uma vez mais,
Elas não são.
Esquecidas, em suas torres, de nossa toada,
Uma vez por causa do vento, da revoada
Sonham rumo de nós e
Suspirando dizem, "Ah, se Cino,
Apaixonado Cino, o de olhos enrugados,
Alegre Cino, de riso rápido.
Cino ousado, Cino zombeteiro,
Frágil Cino, o mais forte de seu clã bandoleiro
Que bate as velhas vias sob o sol,
Se Cino do alaúde aqui voltasse!"
Uma vez, duas vezes, um ano -
E vagamente assim se exprimem:
"Cino ?" "Oh, eh, Cino Polnesi
O cantor, não é dele que se trata ?"
"Ah, sim, passou uma vez por aqui,
Sujeito atrevido, mas...
(São todos a mesma coisa, esses vagabundos)
Peste! As canções eram dele ?
Ou cantava as dos outros ?
Mas e o senhor, Meu Senhor, como vai sua cidade ?"
Mas e senhor, "Meu Senhor", bá! por piedade!
E todos os que eu conhecia estavam fora, Meu Senhor, e tu
Eras Cino-Sem-Terra, tal como eu sou,
O Sinistro.
Já celebrei mulheres em três cidades.
Mas é tudo a mesma coisa.
E cantarei do sol.
...eh?... a maioria delas tinha olhos cinzentos,
Mas é tudo a mesma coisa, e cantarei do sol.
"Pollo Phoibeu, panela velha, tu,
Glória da égide do Zeus do dia,
Escudo d'azul aço, o céu lá em cima
Tem por chefe tua rútila alegria!
Pollo Phoibeu, ao longo do caminho,
Faze do teu riso nossa chanson;
Que teu fulgor ofusque nossa dor,
E que o choro da chuva tombe sem som!
Buscando sempre o rastro recente
Rumo aos jardins do sol...
..............................................
Já celebrei mulheres em três cidades
Mas é tudo a mesma coisa.
E cantarei das aves alvas
Nas águas azuis do céu,
As nuvens, o borrifo de seu mar.
Ezra Pound
(tradução de Mário Faustino)
Cino
Bah! I have sung women in three cities,
But it is all the same;
And I will sing of the sun.
Lips, words, and you snare them,
Dreams, words, and they are as jewels,
Strange spells of old deity,
Ravens, nights, allurement:
And they are not;
Having become the souls of song.
Eyes, dreams, lips, and the night goes.
Being upon the road once more,
They are not.
Forgetful in their towers of our tuneing
Once for wind-runeing
They dream us-toward and
Sighing, say, "Would Cino,
Passionate Cino, of the wrinkling eyes,
Gay Cino, of quick laughter,
Cino, of the dare, the jibe.
Frail Cino, strongest of his tribe
That tramp old ways beneath the sun-light,
Would Cino of the Luth were here!"
Once, twice a year---
Vaguely thus word they:
"Cino?" "Oh, eh, Cino Polnesi
The singer is't you mean?"
"Ah yes, passed once our way,
A saucy fellow, but . . .
(Oh they are all one these vagabonds),
Peste! 'tis his own songs?
Or some other's that he sings?
But *you*, My Lord, how with your city?"
My you "My Lord," God's pity!
And all I knew were out, My Lord, you
Were Lack-land Cino, e'en as I am,
O Sinistro.
I have sung women in three cities.
But it is all one.
I will sing of the sun.
. . . eh? . . . they mostly had grey eyes,
But it is all one, I will sing of the sun.
"'Pollo Phoibee, old tin pan, you
Glory to Zeus' aegis-day,
Shield o' steel-blue, th' heaven o'er us
Hath for boss thy lustre gay!
'Pollo Phoibee, to our way-fare
Make thy laugh our wander-lied;
Bid thy 'flugence bear away care.
Cloud and rain-tears pass they fleet!
Seeking e'er the new-laid rast-way
To the gardens of the sun . . .
* * *
I have sung women in theree cities
But it is all one.
I will sing of the white birds
In the blue waters of heaven,
The clouds that are spray to its sea."
Ezra Pound
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Aos que vão nascer
Realmente, eu vivo num tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito. Uma fronte sem ruga
denota insensibilidade. Quem está rindo
é só porque não recebeu ainda
a notícia terrível.
Que tempo é este em que
uma conversa sobre árvores chega a ser falta,
pois implica em silenciar sobre tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua, calmamente,
então já não está ao alcance dos amigos
necessitados?
É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Porém, acreditai-me: é puro acaso. Nada
do que faço me dá direito a isso, de comer a fartar-me.
Por acaso me poupam. (Se minha sorte acaba,
estou perdido.)
Dizem-me: — Vai comendo e vai bebendo! Alegra-te
com o que tens!
Mas como hei de comer e beber, se
O que eu como é tirado a quem tem fome, e
meu copo água falta a quem tem sede?
contudo eu como e bebo.
Eu gostaria bem de ser um sábio.
Nos velhos livros consta o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência,
pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.
Não posso nada disso:
realmente, eu vivo num tempo sombrio!
II
As cidades cheguei em tempo de desordem,
com a fome imperando.
Junto aos homens cheguei em tempo
de tumulto
e me rebelei com eles.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minha comida mastiguei entre refregas.
Para dormir deitei-me entre assassinos.
O amor eu exercia sem cuidado
e olhava sem paciência a natureza.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro.
A fala denunciava-me ao carrasco.
Bem pouco podia eu, mas os mandões
sem mim sentiam-se mais garantidos, eu esperava.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minguadas eram as forças. E a meta
ficava a grande distância;
claramente visível, conquanto para mim
difícil de alcançar.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
III
Vós, que vireis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta nenhuma.
E entretanto sabíamos:
também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.
Bertolt Brecht
Tradução de Geir Campos
An die Nachgeborenen
I
Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!
Das arglose Wort ist töricht. Eine glatte Stirn
Deutet auf Unempfindlichkeit hin. Der Lachende
Hat die furchtbare Nachricht
Nur noch nicht empfangen.
Was sind das für Zeiten, wo
Ein Gespräch über Bäume fast ein Verbrechen ist
Weil es ein Schweigen über so viele Untaten einschließt!
Der dort ruhig über die Straße geht
Ist wohl nicht mehr erreichbar für seine Freunde
Die in Not sind?
Es ist wahr: ich verdiene noch meinen Unterhalt
Aber glaubt mir: das ist nur ein Zufall. Nichts
Von dem, was ich tue, berechtigt mich dazu, mich sattzuessen.
Zufällig bin ich verschont. (Wenn mein Glück aussetzt, bin ich verloren.)
Man sagt mir: Iß und trink du! Sei froh, daß du hast!
Aber wie kann ich essen und trinken, wenn
Ich den Hungernden entreiße, was ich esse, und
Mein Glas Wasser einem Verdurstenden fehlt?
Und doch esse und trinke ich.
Ich wäre gerne auch weise.
In den alten Büchern steht, was weise ist:
Sich aus dem Streit der Welt halten und die kurze Zeit
Ohne Furcht verbringen
Auch ohne Gewalt auskommen
Böses mit Gutem vergelten
Seine Wünsche nicht erfüllen, sondern vergessen
Gilt für weise.
Alles das kann ich nicht:
Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!
II
In die Städte kam ich zur Zeit der Unordnung
Als da Hunger herrschte.
Unter die Menschen kam ich zur Zeit des Aufruhrs
Und ich empörte mich mit ihnen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.
Mein Essen aß ich zwischen den Schlachten
Schlafen legte ich mich unter die Mörder
Der Liebe pflegte ich achtlos
Und die Natur sah ich ohne Geduld.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.
Die Straßen führten in den Sumpf zu meiner Zeit.
Die Sprache verriet mich dem Schlächter.
Ich vermochte nur wenig. Aber die Herrschenden
Saßen ohne mich sicherer, das hoffte ich.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.
Die Kräfte waren gering. Das Ziel
Lag in großer Ferne
Es war deutlich sichtbar, wenn auch für mich
Kaum zu erreichen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.
III
Ihr, die ihr auftauchen werdet aus der Flut
In der wir untergegangen sind
Gedenkt
Wenn ihr von unseren Schwächen sprecht
Auch der finsteren Zeit
Der ihr entronnen seid.
Gingen wir doch, öfter als die Schuhe die Länder wechselnd
Durch die Kriege der Klassen, verzweifelt
Wenn da nun Unrecht war und keine Empörung.
Dabei wissen wir doch:
Auch der Haß gegen das Unrecht
Macht die Stimme heiser. Ach, wir
Die wir den Boden bereiten wollten für Freundlichkeit
Konnten selber nicht freundlich sein.
Ihr aber, wenn es so weit sein wird
Daß der Mensch dem Menschen ein Helfer ist
Gedenkt unsrer
Mit Nachsicht.
Bertolt Brecht
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Boa noite, boa noite!
Romeu e Julieta (fala de Julieta no Ato 2, Cena 2)
Boa noite, boa noite! partir é tão doce tristeza,
que eu direi boa noite até que amanheça.
Good night, good night! parting is such sweet sorrow,
That I shall say good night till it be morrow.
Tradução de João Alexandre Sartorelli
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Sonetos Portugueses, 43
Minh'alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
A luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte."
Elizabeth Barrett Browning
(tradução de Manuel Bandeira)
Sonnets from the Portuguese, 43
How do I love thee? Let me count the ways...
Elizabeth Barrett Browning
domingo, 2 de agosto de 2009
Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa —
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.
Obra Poética I, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ed. Caminho, 1999
sábado, 1 de agosto de 2009
TU NOMBRE
amanece por mi piel,
alba de luz somnolienta.
Paloma brava tu nombre,
tímida sobre mi hombro.
Octavio Paz
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Traduzir-se
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
terça-feira, 28 de julho de 2009
Porque
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Tive uma jóia nos meus dedos
E adormeci —
Quente era o dia, tédio os ventos —
"É minha", eu disse —
Acordo — e os meus honestos dedos
(Foi-se a Gema) censuro —
Uma saudade de Ametista
É o que eu possuo —
Emily Dickinson
(Tradução Augusto de Campo)
XXXIII
Emily Dickinson
domingo, 26 de julho de 2009
Arte de amar
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
sábado, 25 de julho de 2009
Leito de Folhas Verdes
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Soneto
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono
Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo
Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída
Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio
Chico Buarque
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Hora Grave
sem razão chora no mundo,
chora por mim.
Quem ri agora em algum lugar da noite,
sem razão se ri na noite,
ri-se de mim.
Quem anda agora em algum lugar do mundo,
sem razão anda no mundo,
vem para mim.
Quem morre agora em algum lugar do mundo,
sem razão morre no mundo,
olha para mim.
Ernste Stunde
Wer jetzt weint irgendwo in der Welt,
ohne Grund weint in der Welt,
weint über mich.
Wer jetzt lacht irgendwo in der Nacht,
ohne Grund lacht in der Nacht,
lacht mich aus.
Wer jetzt geht irgendwo in der Welt,
ohne Grund geht in der Welt,
geht zu mir.
Wer jetzt stirbt irgendwo in der Welt,
ohne Grund stirbt in der Welt:
sieht mich an.
De: RILKE, Rainer Maria. Poemas. Tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Pequena Fábula de Kafka
"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro". -"Você só precisa mudar de direção", disse o gato, e devorou-o.
Tradução de Modesto Carone
Kleine Fabel
„Ach“, sagte die Maus, „die Welt wird enger mit jedem Tag. Zuerst war sie so breit, daß ich Angst hatte, ich lief weiter und war glücklich, daß ich endlich rechts und links in der Ferne Mauern sah, aber diese langen Mauern eilen so schnell aufeinander zu, daß ich schon im letzten Zimmer bin, und dort im Winkel steht die Falle, in die ich laufe.“ — „Du mußt nur die Laufrichtung ändern“, sagte die Katze und fraß sie.
Franz Kafka
segunda-feira, 20 de julho de 2009
A ponte Mirabeau
E nosso amor
É preciso trazê-lo à cena
Vinha sempre a alegria antes da pena
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora
De mãos dadas fiquemos face a face
Enquanto que sob a ponte dos nossos braços passa
dos eternos olhares a onda tão lassa
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora
O amor se vai como água corrente
O amor se vai
Como a vida é lenta
Como a esperança é violenta
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora
Passam os dias e as semanas
Nem o tempo passado
Nem o amor acena
Sob a Ponte Mirabeau corre o Sena.
Venha a noite, soe a hora
Os dias se vão, não vou embora
Tradução de Virna Teixeira
Le Pont Mirabeau
Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Et nos amours
Faut-il qu'il m'en souvienne
La joie venait toujours après la peine
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure
Les mains dans les mains restons face à face
Tandis que sous
Le pont de nos bras passe
Des éternels regards l'onde si lasse
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure
L'amour s'en va comme cette eau courante
L'amour s'en va
Comme la vie est lente
Et comme l'Espérance est violente
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure
Passent les jours et passent les semaines
Ni temps passé
Ni les amours reviennent
Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure
Guillaume APOLLINAIRE, Alcools (1913)
domingo, 19 de julho de 2009
Nunca diga a teu amor
O amor que não se deve dizer,
Por que o vento suave passa
Em silêncio, sem se ver.
Eu disse a meu amor, eu disse,
Eu lhe disse de todo coração,
Tremendo, frio, um medo terrível...
Ah, ela partiu então.
Logo que ela foi
Um viajante passou
Em silêncio, invisível...
Oh, ela não se negou.
William Blake
(tradução de João Alexandre Sartorelli)
Never seek to tell thy love
Love that never told can be;
For the gentle wind does move
Silently, invisibly.
I told my love, I told my love,
I told her all my heart,
Trembling, cold, in ghastly fears---
Ah, she doth depart.
Soon as she was gone from me
A traveller came by
Silently, invisibly---
O, was no deny.
William Blake
sábado, 18 de julho de 2009
Torso arcaico de Apolo
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado
Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.
De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros
E não tremeria assim, como pele selvagem.
E nem explodiria para além de todas as suas fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: Precisas mudar de vida.
Rainer Maria Rilke
Tradução de Mário Faustino
Não sabemos como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas. Porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a luz do olhar, que salta
E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.
Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.
Seus limites não transporia desmedida,
Como uma estrela; pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida.
Rainer Maria Rilke
[Tradução de Manuel Bandeira]
Archaischer Torso Apollos
Wir kannten nicht sein unerhörtes Haupt,
darin die Augenäpfel reiften. Aber
sein Torso glüht noch wie ein Kandelaber,
in dem sein Schauen, nur zurückgeschraubt,
sich hält und glänzt. Sonst könnte nicht der Bug
der Brust dich blenden, und im leisen Drehen
der Lenden könnte nicht ein Lächeln gehen
zu jener Mitte, die die Zeugung trug.
Sonst stünde dieser Stein entstellt und kurz
unter der Schultern durchsichtigem Sturz
und flimmerte nicht so wie Raubtierfelle;
und bräche nicht aus allen seinen Rändern
aus wie ein Stern: denn da ist keine Stelle,
die dich nicht sieht. Du musst dein Leben ändern.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
EPITAFIO PARA UN POETA
para olvidar
su vida verdadera de mentiras
y recordar
su mentirosa vida de verdades.
Octavio Paz
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Palavras / Words
(Sylvia Plath)
Golpes,
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
sobre a rocha
Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.
Traduzido por Ana Cristina Cesar
Words
(Sylvia Plath)
Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echoes!
Echoes travelling
Off from the center like horses.
The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-estabilish its mirror
Over the rock
That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens
Years later I
Encounter them on the road —
Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.
terça-feira, 30 de junho de 2009
Uma Arte / One Art
A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
Elizabeth Bishop (Tradução de Paulo Henriques Britto)
One Art
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Elizabeth Bishop
sábado, 20 de junho de 2009
Canción de jinete / Canção do ginete
Córdoba.
Lejana y sola.
Jaca negra, luna grande,
y aceitunas en mi alforja.
Aunque sepa los caminos
yo nunca llegaré a Córdoba.
Por el llano, por el viento,
jaca negra, luna roja.
La muerte me está mirando
desde las torres de Córdoba.
¡Ay que camino tan largo!
¡Ay mi jaca valerosa!
¡Ay que la muerte me espera,
antes de llegar a Córdoba!
Lejana y sola
Federico García Lorca.
Canção do ginete
Córdoba.
Longínqua e só.
Mula negra
E azeitonas em meu alforge
Ainda que eu saiba os caminhos
Eu nunca chegarei a Córdoba.
Pelo plano, pelo vento,
Mula negra, lua rosa.
A morte me está olhando
Desde as torres de Córdoba.
Ai que caminho tão longo!
Ai minha mula valorosa!
Ai, que a morte me espera
Antes de chegar a Córdoba!
Córdoba.
Longínqua e só.
Tradução de Jayme Ferreira Bueno
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Balada das damas do tempo ido
Anda Flora, a bela romana
Arquipíades, ou Taís,
Que foi sua prima-germana?
Eco a falar, voz que se emana,
Qual rumor, de rios e planos:
Que beleza foi mais que humana?
E onde estão as neves dos anos?
Da sábia Heloísa quem diz,
Por quem, castrado, fez-se monge
Pedro Abelardo em Saint-Denis?
Por seu amor sofreu tão longe.
E a rainha, também sem pena,
Que mandou forrar Buridano
Com um saco e jogá-lo ao Sena?
E onde estão as neves dos anos?
A Rainha Branca qual lis
A cantar com voz de sereia,
Berta-Pé Grane, Alis, Beatriz
Haremburgues, que o Maine alteia,
E a brava Lorena, a Joana,
Quem em Rouen, queimaram os anglos:
Onde estão, Virgem Soberana?
E onde estão as neves dos anos?
Príncipe, quereis na semana
Ter resposta? Nem este ano,
Pois o refrão não vsos engana:
E onde estão as neves dos anos?
Tradução De Sebastião Uchoa Leite
Dites-moi où, n'en quel pays,
Est Flora la belle Romaine,
Archipiades, ne Thaïs,
Qui fut sa cousine germaine,
Echo, parlant quant bruit on mène
Dessus rivière ou sur étang,
Qui beauté eut trop plus qu'humaine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?
Où est la très sage Héloïs,
Pour qui fut châtré et puis moine
Pierre Esbaillart à Saint-Denis ?
Pour son amour eut cette essoine.
Semblablement, où est la roine
Qui commanda que Buridan
Fût jeté en un sac en Seine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?
La roine Blanche comme un lis
Qui chantait à voix de sirène,
Berthe au grand pied, Bietrix, Aliz,
Haramburgis qui tint le Maine,
Et Jeanne, la bonne Lorraine
Qu'Anglais brûlèrent à Rouen ;
Où sont-ils, où, Vierge souvraine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?
Prince, n'enquerrez de semaine
Où elles sont, ni de cet an,
Que ce refrain ne vous remaine :
Mais où sont les neiges d'antan ?
François Villon