domingo, 26 de setembro de 2010

En tu jardín secreto hay mercenarias

En tu jardín secreto hay mercenarias
dulzuras, ávidas proclamaciones,
crueldades con sutiles corazones,
hay ladrones, sirenas legendarias.

Hay bondades en tu aire, solitarias
multiplican arcanas perfecciones.
Se ahondan en angostos callejones,
tus árboles con ramas arbitrarias.

Alguna vez oí el chirrido frío
de un portón que al cerrarse me dejaba
prisionera, perdida, siempre esclava

de tu felicidad que junto a un río
bajaba entre las frondas a un abismo
de intermitente luz, con tu exorcismo.

Silvina Ocampo

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Além-tédio

Por Mário de Sá Carneiro

Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas
De as não ter e de nunca vir a tê-las
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim, de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu...Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia-a-dia
Cada vez mais velozes, mais esguios.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Testamento do Poeta

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....
Basta-me o gesto de contar um verso.

José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'