segunda-feira, 29 de abril de 2013

Acreditava antigamente


Acreditava antigamente
Que todo beijo que me tiram,
Ou que recebo de presente,
Fosse por obra do destino.

Deram-me beijos e beijei,
Antes com tanta seriedade,
Como se obedecesse às leis
Que regem a necessidade.

Agora sei como é supérfluo
E não me faço de rogado,
Vou dando beijos em excesso,
Incrédulo e despreocupado.

Ehmals glaubt ich, alle Küsse,
Die ein Weib uns gibt und nimmt,
Seien uns, durch Schicksalsschlüsse,
Schon urzeitlich vorbestimmt.

Küsse nahm ich, und ich küßte
So mit Ernst in jener Zeit,
Als ob ich erfüllen müßte
Thaten der Notwendigkeit.

Jetzo weiß ich, überflüssig,
Wie so manches, ist der Kuß,
Und mit leichtern Sinnen küß ich,
Glaubenlos im Überfluß.



HEINE, Heinrich: "Uma gaivota. Poemas, 1830-1839". In:_____. VALLIAS, André (org., intr. e trad.). Heine, hein? Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva, Goethe Institut, 2011.

sábado, 13 de abril de 2013

A Edom!


A Edom!*

Há dois milênios já perdura
A convivência tão fraterna –
Quando eu respiro, tu me aturas,
Se te enraiveces, eu tolero.

Algumas vezes, convenhamos,
Cruzaste as raias do mau gosto,
As santas unhas mergulhando
Na tinta rubra do meu corpo!

Nossa amizade agora cresce
A cada dia e nunca para;
Virei alguém que se enraivece,
Estou ficando a tua cara.



An Edom!*

Ein Jahrtausend schon und länger,
Dulden wir uns brüderlich,
Du, du duldest, daß ich atme,
Dass du rasest, dulde Ich. 

Manchmal nur, in dunkeln Zeiten,
Ward dir wunderlich zu Mut,
Und die liebefrommen Tätzchen
Färbtest du mit meinem Blut! 

Jetzt wird unsre Freundschaft fester,
Und noch täglich nimmt sie zu;
Denn ich selbst begann zu rasen,
Und ich werde fast wie Du.

[1824]


*Edom: do hebraico = 'vermelho'; nome dado a Esaú e ao povo que dele descende; por extensão, aplicado às nações inimigas de Israel [nota de André Vallias]. 






VALLIAS, André. Heine hein? Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva, 2011 (no prelo).

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Soneto 76


Soneto 76

Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?
Por que só escrevo essa monotonia
Tão incapaz de produzir inventos
Que cada verso quase denuncia
Meu nome e seu lugar de nascimento?
Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor, são meus únicos temas.
E assim vou refazendo o que foi feito,
Reinventando as palavras do poema.
   Como o sol, novo e velho a cada dia,
   O meu amor rediz o que dizia.



Sonnet 76

Why is my verse so barren of new pride,
So far from variation or quick change?
Why with the time do I not glance aside
To new-found methods, and to compounds strange?
Why write I still all one, ever the same,
And keep invention in a noted weed,
That every word doth almost tell my name,
Showing their birth, and where they did proceed?
O know sweet love I always write of you,
And you and love are still my argument;
So all my best is dressing old words new,
Spending again what is already spent:
   For as the sun is daily new and old,
   So is my love still telling what is told.





SHAKESPEARE, William. "Sonnet 76". In: CARNEIRO, Geraldo (trad. e org.). O discurso do amor rasgado. Poemas, cenas e fragmentos de William Shakespeare. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.