domingo, 27 de abril de 2014

soneto do amor e da morte

quando eu morrer murmura esta canção 
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura

quarta-feira, 2 de abril de 2014

"Почти элегия" / "Quase uma elegia"

Quase uma elegia

Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
minha suposição. Pois algum dia
também eu fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava sorrateiro
uma beldade -rápido- descendo
a escada principal.
                               Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o "aonde" acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Pêras pensas,
cheias de seiva nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.

Joseph Brodsky: : tradução por Boris Schnaiderman e Nelson Ascher



Почти элегия

В былые дни и я пережидал

холодный дождь под колоннадой Биржи.
И полагал, что это - божий дар.
И, может быть, не ошибался. Был же
и я когда-то счастлив. Жил в плену
у ангелов. Ходил на вурдалаков.
Сбегавшую по лестнице одну
красавицу в парадном, как Иаков,
подстерегал.
                       Куда-то навсегда
ушло все это. Спряталось. Однако,
смотрю в окно и, написав "куда",
не ставлю вопросительного знака.
Теперь сентябрь. Передо мною - сад.
Далекий гром закладывает уши.
В густой листве налившиеся груши
как мужеские признаки висят.
И только ливень в дремлющий мой ум,
как в кухню дальних родственников - скаред,
мой слух об эту пору пропускает:
не музыку еще, уже не шум.

  
BRODSKY, Joseph. Quase uma elegia. Traduções de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher. Introdução e textos complementares de Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Sete Letras, 1996.