segunda-feira, 18 de maio de 2009

Nunca entregues o coração / Never give all the heart

Nunca entregues o coração

Nunca entregues o coração todo, porque o amor
Nem será digno de consideração
Para as mulheres apaixonadas se lhes parecer
Certo, e elas nunca imaginam
Como se esvai de beijo em beijo;
Porque tudo o que é aprazível é
Apenas um breve deleite, gentil e sonhador.
Oh, nunca entregues o coração sem volta,
Pois elas, apesar do que dizem com lábios suaves,
Entregaram ao jogo seus corações.
E quem saberia ainda jogar bem
Se estivesse surdo e mudo e cego de amor?
Este que isto escreve fala do que é seu
Porque entregou o coração todo e perdeu.

Tradução de Pedro Mexia (autor W.B.Yeats)


Never give all the heart

Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy, kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.

W. B. Yeats

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sonetos que não são

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

Hilda Hilst (Roteiro do Silêncio)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Camões