domingo, 29 de março de 2015

Abril e silêncio

A primavera jaz abandonada
Uma valeta de cor roxa escura
move-se ao meu lado
sem restituir nenhuma imagem.

A única coisa que brilha
são algumas flores amarelas.

Carrego-me dentro de minha
própria sombra como um violino
em seu estojo.

A única coisa que quero dizer
paira bem fora do alcance
como a prataria da família
numa casa de penhores

Tomas Tranströmer
Tradutora Enaiê Azambuja


April Och Tystnad

Våren ligger öde
Det sammetsmörka diket
krälar vid min sida
utan spegelbilder.

Det enda som lyser
är gula blommor.

Jag bärs i min skugga
som en fiol
i sin svarta låda.

Det enda jag vill säga
glimmar utom räckhåll
som silvret
hos pantlånaren.

Tomas Tranströmer


April and Silence

Spring lies forsaken.
The velvet-dark ditch
crawls by my side
without reflections.

The only thing that shines
are yellow flowers.

I am cradled in my shadow
like a fiddle
in its black case.

The only thing I want to say
glimmers out of reach
like the silver
at the pawnbroker’s.

Tomas Tranströmer
Tradutora Patty Crane

domingo, 22 de março de 2015

Perséfone

I

penso na mulher que é inacessível como uma estrela de sal. um cálice, uma chaga em backing vocals no cair das horas. penso na mulher que pensa na palavra

e a palavra se faz aos poucos nas bocas das demais mulheres. com a matéria das flores sonâmbulas e do marfim.

II

sonho ou assédio
lunar,

meninas que se desgarram de si mesmas,

meninas que flutuam como abajures mortuários em torno das bonecas. depois se abaixam para beijá-las na testa e imantar seus corpinhos de pano com relâmpagos.

*

meninas que não falam, magras,
inacessíveis,

tantas meninas, e são altas, e cheiram a algodão e lágrimas.

nos cabelos um nevoeiro de teias de aranha. na pele os sinais em sete eclipses: lua ilícita, lisérgica. a sombra no púbis, no ânus, nos covis das axilas. uma única e mesma noite atravessa os séculos pela boca das mães até a boca das meninas,

e das meninas às bonecas,

num processo difícil de perpetuação
da fome.

Mar Becker

sábado, 21 de março de 2015

O grito

O porco guincha
e sob a pata dianteira
sai a golfada de sangue
que enche a bacia.

Horas depois,
pronto o chouriço,
comemos o sangue preto,
as tripas, o grito.

Donizete Galvão

sexta-feira, 20 de março de 2015

Não te diz meu rosto pálido

Não te diz meu rosto pálido
Que eu morro de amor por ti?!...
Queres que a bôca o proclame,
Quebre orgulhosa por si!..

Oh! que esta bôca mal sabe
Beijar, sorrisos compor,
Dizer sardônicos ditos
Enquanto eu morro de dor!


Heinrich Heine
Tradução de Gonçalves Dias

Verriet mein blasses Angesicht
Dir nicht mein Liebeswehe?
Und willst du, daß der stolze Mund
Das Bettelwort gestehe?

O, dieser Mund ist viel zu stolz,
Und kann nur küssen und scherzen;
Er spräche vielleicht ein höhnisches Wort,
Während ich sterbe vor Schmerzen.


Heinrich Heine