segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ariel

Sylvia Plath )

Estancamento no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.

Leoa do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco

Afunda e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.

Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...

Negro, doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro vôo

Me arrasta pelo ar...
Coxas, pêlos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.

E então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança

Escorre pela parede.
E eu
Sou a flexa,

O orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho

Vermelho, caldeirão da manhã.

(tradução de Ana Cândida Perez e Ana Cristina César)

Ariel


Stasis in darkness.
Then the substanceless blue
Pour of tor and distances.

God's lioness,
How one we grow,
Pivot of heels and knees! — The furrow

Splits and passes, sister to
The brown arc
Of the neck I cannot catch,

Nigger-eye
Berries cast dark
Hooks —

Black sweet blood mouthfuls,
Shadows.
Something else

Hauls methrough air —
Thighs, hair;
Flakes from my heels.

White
Godiva, I unpeel —
Dead hands, dead stringencies.

And now I
Foam to wheat, a glitter of seas.
The child's cry

Melts in the wall.
And I
Am the arrow,

The dew that flies
Suicidal, at one with the drive
Into the red

Eye, the cauldron of morning.


O Colosso

The Colossus - Sylvia Plath.

O Colosso

I shall never get you put together entirely,
Pieced, glued, and properly jointed.
Mule-bray, pig-grunt and bawdy cackles
Proceed from your great lips.
It´s worse than a barnyard.
.

Eu nunca vou conseguir juntar você inteiramente,
Encaixado, colado, e propriamente ajustado.
Mula-zurro, porco-grunhido e indecentes cacarejos
Procedem de seus lábios grandes.
É pior que um quintal de fazenda.
.
Perhaps you consider yourself an oracle,
Mouthpiece of the dead, or of some god or other.
Thirty years now I have labored
To dredge the silt from your throat.
I am none the wiser.
.
Talvez você se considere um oráculo,
Bocal dos mortos, ou de algum deus ou outro.
Trinta anos já eu tenho labutado
Para dragar o lodo de sua garganta.
Não estou sequer mais sábia.
.
Scaling little ladders with gluepots and pails of lysol
I crawl like an ant in mourning
Over the weedy acres of your brow
To mend the immense skull plates and clear
The bald, white tumuli of your eyes.
.
Escalando escadinhas com tubos de cola e vasilhas
Eu rastejo como uma formiga em luto
Sobre os acres ervinhados de sua fronte
Para restaurar as imensas placas cranianas e limpar
Os calvos, brancos túmulos dos seus olhos.
.
A blue sky out of the Oresteia
Arches above us. O father, all by yourself
You are pithy and historical as the Roman Forum.
I open my lunch on a hill of black cypress.
Your fluted bones and acanthine hair are littered

.
Um céu azul saído da Orestéia
Ergue-se em arco sobre nós. Ó pai, por si só
Você é pujante e histórico como o Fórum Romano.
Inauguro meu almoço numa colina de ciprestes pretos.
Seus ossos aflautados e cabelos de acantina entulham-se
.
In their old anarchy to the horizon-line.
It would take more than a lightning-stroke
To create such a ruin.
Nights, I squat in the cornucopia
Of your left ear, out of the wind,

.
Na velha anarquia deles até a linha do horizonte.
Seria necessário mais que a queda de um raio
Para criar tal ruína.
Noites, eu me agacho na cornucópia
De sua orelha esquerda, fora do vento,
.
Counting the red stars and those of plum-color.
The sun rises under the pillar of your tongue.
My hours are married to shadow.
No longer do I listen for the scrape of a keel
On the blank stones of the landing.

.
Contando as estrelas vermelhas e as cor-de-ameixa.
O sol se levanta sob o pilar de sua língua.
Minhas horas estão casadas com a sombra.
Não me ponho mais a escutar um arranhar de quilha
Nas pedras vazias do atracadouro.
.
Sylvia Plath (1960)
.
Versão colossal: Ivan Justen Santana

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Lady Lázaro

Lady Lázaro
(tradução de Mariana Ruggieri do poema "Lady Lazarus" de Sylvia Plath)
(original abaixo)

Eu o fiz de novo
Um ano em cada dez
Eu agüento

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilhante tal qual um abajur nazista
Meu pé direito

Um peso de papel,
Minha face, como um pano inexpressivo, delicado
Em linho judeu.

Tire o lenço
Ó, meu inimigo
Eu te assusto?

O nariz, o orifício ocular, a dentição plena?
O hálito azedo
Se esvairá em um dia.

Logo, logo a carne
Que a gruta do túmulo comeu se sentirá
Em casa sobre mim

E eu, uma mulher sorridente.
Eu, com apenas trinta anos.
E como o gato tenho nove vezes para morrer

Esta é o número três.
Que lixo
Aniquilar a cada década.

Que milhões de filamentos.
A multidão vulgar
Se acotovela para ver

Eles me desembrulharem mão e pé.
O grande strip tease.
Senhores, senhoras

Eis as minhas mãos
Eis os meus joelhos.
Posso ser pele e osso

Contudo, sou a mesma, idêntica mulher.
Na primeira vez que aconteceu eu tinha dez anos.
Foi um acidente.

Na segunda vez eu pretendi
Agüentar e nem sequer voltar.
Eu fechei em pedra

Como uma concha do mar.
Eles tiveram que chamar e chamar
E arrancar de mim os vermes, pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte como todo o resto.
Eu o faço excepcionalmente bem.

Eu o faço para saber o inferno.
Eu o faço para saber a real.
Eu suponho que se possa dizer que eu tenho um chamado.

É fácil fazê-lo em uma cela.
É fácil fazê-lo e permanecer estático.
É o teátrico

Retorno, em plena luz do dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, aos mesmos brutos
Entretidos gritando

“um milagre!”
Isso me estarrece.
Há um custo

Para ver as minhas cicatrizes, há um custo
Para sentir o meu coração
Ele realmente pulsa.

E há um custo, um grande custo
Por uma palavra, ou um toque
Ou um pouco de sangue

Ou um pedaço do meu cabelo ou um pedaço da minha roupa.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Eu sou sua composição
Eu sou seu pertence
O bebê de ouro puro

Que derrete a um grito estridente.
Eu me viro e ardo.
Não pense que eu subestimo sua grande preocupação.

Cinzas, cinzas
Você cutuca e revolve.
Carne, osso, não há nada lá.

Um sabonete,
Uma aliança,
Um dente de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado
Cuidado.

De dentro das cinzas
Eu desponto, meu cabelo em fogo
E devoro homens como ar.


Lady Lazarus

I have done it again.
One year in every ten
I manage it–

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify?–

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see

Them unwrap me hand and foot–
The big strip tease.
Gentlemen, ladies

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

‘A miracle!’
That knocks me out.
There is a charge

For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart–
It really goes.

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

Ash, ash–
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there–

A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.

Sylvia Plath

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Palpar

Mis manos
abren las cortinas de tu ser
te visten con otra desnudez
descubren los cuerpos de tu cuerpo.
Mis manos
inventan otro cuerpo a tu cuerpo.

Octavio Paz

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Elegia

ELEGIA
Drummond

Ganhei (perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaça, num suspiro.

E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.

Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?

Gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim, estela fria.
As árvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando,
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.

Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraída.

E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a notícia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.

Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.

Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois e militares em serviço
da sombra, e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.

Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quanto aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeias brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
Corto o frio da folha. Sou teu frio.

E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia, em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Arte poética

Antes de tudo, a música preza
portanto, o ímpar. Só cabe usar
o que é mais vago e solúvel no ar
sem nada em si que pousa ou que pesa.

Escolher palavras é preciso,
mas com certo desdém pela pinça;
nada melhor do que a canção cinza
onde o indeciso se une ao preciso.

uns belos olhos atrás do véu,
o lusco-fusco no meio-dia
a turba azul de estrelas que estria
o outono agônico pelo céu!

pois a nuance é que leva a palma,
nada de cor, somente a nuance!
nuance, só, que nos afiance
o sonho ao sonho e a flauta na alma!

foge do chiste, a farpa mesquinha,
frase de espírito, riso alvar,
que olhe do azul faz lacrimejar,
alho plebeu de baixa cozinha!

a eloquência? torce-lhe o pescoço!
e convém empregar de uma vez
a rima com certa sensatez
ou vamos todos parar no fosso!

quem nos dirá dos males da rima!
que surdo absurdo ou que negro louco
forjou em jóia este toco oco
que soa falso e vil sob a lima?

música ainda e eternamente!
que teu verso seja o vôo alto
que se desprende da alma no salto
para outros céus e para outra mente.

que teu verso seja a aventura
esparsa ao árdego ar da manhã
que enche de aroma ótimo e a hortelã...
e todo o resto é literatura

Verlaine
(tradução de Augusto de Campos)

Art poétique
A Charles Morue

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l'Impair
Plus vague et plus soluble dans l'air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.

Il faut aussi que tu n'ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l'Indécis au Précis se joint.

C'est de beaux yeux derrière des voiles,
C'est le grand jour tremblant de midi,
C'est, par un ciel d'automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!

Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rève au rêve et la flûte au cor!

Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L'Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l'Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!

Prends l'éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en train d'énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l'on n'y veille, elle ira jusqu'où?

O qui dira les torts de la Rime!
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d'un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime?

De la musique encore et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu'on sent qui fuit d'une âme en allée
Vers d'autres cieux à d'autres amours.

Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym...
Et tout le reste est littérature.

Verlaine

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Clair de Lune

Clair de lune

Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.

Tout en chantant sur le mode mineur
L'amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n'ont pas l'air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,

Au calme clair de lune triste et beau
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d'extase les jets d'eau,
Les grands jets d'eau sveltes parmi les marbres.

Verlaine

(Tradução de Fernando Jorge Azevedo)

A vossa alma é uma paisagem escolhida
Que encantando vão máscaras e bergamascas,
Tocando alaúde e dançando, e quase
Triste nos seus disfarces extravagantes.

Cantando em modo menor
O amor triunfante e a vida oportuna,
Não têm ar de acreditar na sua felicidade
E a sua cantiga mistura-se com o luar,

Com o calmo luar triste e belo,
Que faz sonhar as aves nas árvores
E soluçar de êxtase os repuxos,
Os grandes repuxos esbeltos entre os mármores.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Busque Amor novas artes, novo engenho,

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para manter-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai que de esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Camões

terça-feira, 15 de julho de 2008

A Poem for the End of the Century

A Poem for the End of the Century
Czeslaw Milosz

When everything was fine
And the notion of sin had vanished
And the earth was ready
In universal peace
To consume and rejoice
Without creeds and utopias,
I, for unknown reasons,
Surrounded by the books
Of prophets and theologians,
Of philosophers, poets,
Searched for an answer,
Scowling, grimacing,
Waking up at night, muttering at dawn.
What oppressed me so much
Was a bit shameful.
Talking of it aloud
Would show neither tact nor prudence.
It might even seem an outrage
Against the health of mankind.
Alas, my memory
Does not want to leave me
And in it, live beings
Each with its own pain,
Each with its own dying,
Its own trepidation.
Why then innocence
On paradisal beaches,
An impeccable sky
Over the church of hygiene?
Is it because that
Was long ago?
To a saintly man
--So goes an Arab tale--
God said somewhat maliciously:
"Had I revealed to people
How great a sinner you are,
They could not praise you."
"And I," answered the pious one,
"Had I unveiled to them
How merciful you are,
They would not care for you."
To whom should I turn
With that affair so dark
Of pain and also guilt
In the structure of the world,
If either here below
Or over there on high
No power can abolish
The cause and the effect?
Don't think, don't remember
The death on the cross,
Though everyday He dies,
The only one, all-loving,
Who without any need
Consented and allowed
To exist all that is,
Including nails of torture.
Totally enigmatic.
Impossibly intricate.
Better to stop speech here.
This language is not for people.
Blessed be jubilation.
Vintages and harvests.
Even if not everyone
Is granted serenity.

Berkeley



Traducción casera al castellano:
Un Poema para Fin de Siglo

    Cuando todo estaba bien
    Y la noción de pecado había desaparecido
    Y la tierra estaba lista
    En paz universal
    Para consumir y regocijarse
    Sin credos ni utopías,
    Yo, por causas desconocidas,
    Rodeado de los libros
    De profetas y teólogos,
    De filósofos, poetas,
    Buscaba una respuesta,
    Frunciendo el ceño, gesticulando,
    Levantándome a la noche,
    murmurando al amanecer.
    Lo que me oprimía tanto
    Era un tanto vergonzoso.
    Hablar de eso en voz alta
    no mostraría tacto ni prudencia.
    Podría incluso parecer una terrible ofensa
    a la salud de la humanidad.
    ¡Ay de mi!, mi memoria
    no quiere dejarme
    y en ella, seres vivientes
    cada uno con su propio dolor,
    cada uno con su propia muerte,
    su propia agitación.
    ¿Por qué entonces la inocencia
    en playas paradisíacas,
    un cielo impecable
    por sobre la iglesia de la higiene?
    ¿Es porque eso
    fue hace mucho tiempo?
    A un santo hombre
    --según dice una historia de Arabia--
    Dios dijo un tanto maliciosamente:
    "Si revelara a la gente
    cuán gran pecador eres tu,
    ellos no te alabarían"
    "Y yo," respondió el hombre pío,
    "Si descubriera a ellos
    cuán misericordioso eres tú,
    ellos no se preocuparían por ti."
    ¿A quién voy a volverme
    con ese asunto tan oscuro
    de dolor y también de culpa
    en la estructura del mundo,
    si tanto aquí abajo
    como allá en las alturas
    ningún poder puede abolir
    la causa ni el efecto?
    No piensan, no recuerdan
    la muerte en la cruz,
    aunque cada día Él muere,
    el único, todo amor,
    quién sin ninguna necesidad de ello
    consintió y permitió
    que exista todo lo que es,
    incluyendo las uñas de la tortura.
    Completamente enigmático.
    Insoportablemente intrincado.
    Mejor detener el discurso aquí.
    Este lenguaje no es para la gente.
    Bendito sea el júbilo.
    Vendimias y cosechas.
    Aunque no a todos
    se les permita esa tranquilidad.


 Tradução de Juan Ignacio

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Fuga da Morte

FUGA DA MORTE
(Paul Celan)


Leite negro da madrugada nós o bebemos de noite
nós o bebemos ao meio-dia e de manhã nós o bebemos de noite
nós o bebemos bebemos
cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
escreve e se planta diante da casa e as estrelas faíscam ele assobia para os seus mastins
assobia para os seus judeus manda cavar um túmulo na terra
ordena-nos agora toquem para dançar

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
Um homem mora na casa bole com cobras escreve
escreve para a Alemanha quando escurece teu cabelo de ouro Margarete
Teu cabelo de cinzas Sulamita cavamos um túmulo nos ares lá não se jaz apertado
Ele brada cravem mais fundo na terra vocês aí cantem e toquem
agarra a arma na cinta brande-a seus olhos são azuis
cravem mais fundo as enxadas vocês aí continuem tocando para dançar

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos de noite
nós bebemos bebemos
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita ele bole com cobras
Ele brada toquem a morte mais doce a morte é um dos mestres da Alemanha
ele brada toquem mais fundo os violinos aí vocês sobem como fumaça no ar
aí vocês têm um túmulo nas nuvens lá não se jaz apertado

Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos de noite e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da Alemanha
teu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita

(Tradução de Modesto Carone)



Paul Celan - Todesfuge

Schwarze Milch der Frühe wir trinken sie abends
wir trinken sie mittags und morgens wir trinken sie nachts
wir trinken und trinken
wir schaufeln ein Grab in den Lüften da liegt man nicht eng
Ein Mann wohnt im Haus der spielt mit den Schlangen der schreibt
der schreibt wenn es dunkelt nach Deutschland dein goldenes Haar Margarete
er schreibt es und tritt vor das Haus und es blitzen die Sterne er pfeift seine Rüden herbei
er pfeift seine Juden hervor läßt schaufeln ein Grab in der Erde
er befiehlt uns spielt auf nun zum Tanz

Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
wir trinken dich morgens und mittags wir trinken dich abends
wir trinken und trinken
Ein Mann wohnt im Haus der spielt mit den Schlangen der schreibt
der schreibt wenn es dunkelt nach Deutschland dein goldenes Haar Margarete
Dein aschenes Haar Sulamith wir schaufeln ein Grab in den Lüften da liegt man nicht eng

Er ruft stecht tiefer ins Erdreich ihr einen ihr andern singet und spielt
er greift nach dem Eisen im Gurt er schwingts seine Augen sind blau
stecht tiefer die Spaten ihr einen ihr andern spielt weiter zum Tanz auf

Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
wir trinken dich mittags und morgens wir trinken dich abends
wir trinken und trinken
ein Mann wohnt im Haus dein goldenes Haar Margarete
dein aschenes Haar Sulamith er spielt mit den Schlangen
Er ruft spielt süßer den Tod der Tod ist ein Meister aus Deutschland
er ruft streicht dunkler die Geigen dann steigt ihr als Rauch in die Luft
dann habt ihr ein Grab in den Wolken da liegt man nicht eng

Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
wir trinken dich mittags der Tod ist ein Meister aus Deutschland
wir trinken dich abends und morgens wir trinken und trinken
der Tod ist ein Meister aus Deutschland sein Auge ist blau
er trifft dich mit bleierner Kugel er trifft dich genau
ein Mann wohnt im Haus dein goldenes Haar Margarete
er hetzt seine Rüden auf uns er schenkt uns ein Grab in der Luft
er spielt mit den Schlangen und träumet der Tod ist ein Meister aus Deutschland

dein goldenes Haar Margarete
dein aschenes Haar Sulamith

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ode à Alegria de Friedrich Von Schiller

Ode à Alegria
Friedrich Von Schiller
tradução do original por Arnaldo Poesia,
tal como se canta na Nona Sinfonia de Ludwig Van Beethoven.
(Barítono)
Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

(Barítonos, quarteto e coro)

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Alegrias bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

(Tenor solo e coro)
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

(Coro)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Abracem-se, Milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.


An die Freude
Schiller


O, Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laß uns angenehmere
anstimmen, und freudenvollere.


Freude, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium.
Wir betreten freuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder,
"Was die Mode streng geteilt;"
Alle Menschen werden Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.


Wem der große Wurf gelungen,
Eines Freundes Freund zu sein,
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer's nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund!


Freude trinken alle Wesen
"An den Brüsten der Natur;"
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küße gab sie uns und Reben,
"Einen Freund, geprüft im Tod;"
Wollust war dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott.


Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt'gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder über'm Sternenzelt
Muß ein lieber Vater wohnen.
Ihr stüzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such' ihn über'm Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.


quinta-feira, 10 de julho de 2008

A tempestade - Prospero - Ato IV, Cena I

Our revels now are ended. These our actors,
As I foretold you, were all spirits, and
Are melted into air, into thin air;
And, like the baseless fabric of this vision,
The cloud-capp'd towers, the gorgeous palaces,
The solemn temples, the great globe itself,
Yea, all which it inherit, shall dissolve,
And, like this insubstantial pageant faded,
Leave not a rack behind. We are such stuff
As dreams are made on; and our little life
Is rounded with a sleep.

Shakespeare


Nossos festejos terminaram. Como vos preveni,
eram espíritos todos esses atores;
dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável.
E tal como o grosseiro substrato desta vista,
as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos,
as igrejas majestosas, o próprio globo imenso,
com tudo o que contém, hão de sumir-se,
como se deu com essa visão tênue,
sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria
dos sonhos; nossa vida pequenina
é cercada pelo sono.

Tradução Nélson Jahr Garcia

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Canto III - Divina Comédia - Dante

Vai-se por mim à cidade dolente,
vai-se por mim à sempiterna dor,
vai-se por entre a perdida gente.

Moveu-se justiça o meu alto feitor,
fez-me a divina Potestade, mais
o supremo Saber e o primo Amor.

Antes de mim não foi criado mais
nada senão eterno, e eterna eu duro.
Deixai toda esperança, ó vós que entrais.

(tradução de Italo Eugenio Mauro)



Per me si va ne la città dolente,
per me si va ne l'etterno dolore,
per me si va tra la perduta gente.

Giustizia mosse il mio alto fattore;
fecemi la divina podestate,
la somma sapïenza e 'l primo amore.

Dinanzi a me non fuor cose create
se non etterne, e io etterna duro.
Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate.

Dante Alighieri

terça-feira, 8 de julho de 2008

Canção de uma Dama na Sombra

Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano que amei.

Carrega-os assim por vaidade.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.

É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e as noites.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.

E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.

E não ganha
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.

E é podado com as tulipas.


Paul Celan
Ópio e Memória (1952)
Tradução de Cláudia Cavalcanti


Chanson einer Dame im Schatten
Celan

Wenn die Schweigsame kommt und die Tulpen köpft:
Wer gewinnt?
Wer verliert?
Wer tritt an das Fenster?
Wer nennt ihren Namen zuerst?
Es ist einer, der trägt mein Haar.
Er trägts wie man Tote trägt auf den Händen.
Er trägts wie der Himmel mein Haar trug im Jahr, da ich
liebte.
Er trägt es aus Eitelkeit so.
Der gewinnt.
Der verliert nicht.
Der tritt nicht ans Fenster.
Der nennt ihren Namen nicht.
Es ist einer, der hat meine Augen.
Er hat sie, seit Tore sich schließen.
Er trägt sie am Finger wie Ringe.
Er trägt sie wie Scherben von Lust und Saphir:
er war schon mein Bruder im Herbst;
er zählt schon die Tage und Nächte.
Der gewinnt.
Der verliert nicht.
Der tritt nicht ans Fenster.
Der nennt ihren Namen zuletzt.
Es ist einer, der hat, was ich sagte.
Er trägts unterm Arm wie ein Bündel.
Er trägts wie die Uhr ihre schlechteste Stunde.
Er trägt es von Schwelle zu
Schwelle, er wirft es nicht fort.
Der gewinnt nicht.
Der verliert.
Der tritt ans Fenster.
Der nennt ihren Namen zuerst.
Der wird mit den Tulpen geköpft.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A tempestade

A tempestade
(fala de Próspero, ato IV, cena I)
Shakespeare

We are such stuff
As dreams are made on, and our little life
Is rounded with a sleep.

Nós somos tais coisas
Das quais são feitos os sonhos, e nossa pequena vida
Imersa num oceano de sono.

Tradução de João Alexandre Sartorelli

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Do teu príncipe ali te respondiam

Neste blog estão os poemas que eu amo. Começo por um de Camões (oitava de "Os Lusíadas")

Do teu príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite em doces sonhos, que mentiam,
De dia em pensamentos, que voavam.
E quanto enfim cuidava, e quanto via,
Eram tudo memórias de alegria.