sexta-feira, 17 de maio de 2013

Encantamento

Vi as mulheres

azuis do equinócio

voarem como pássaros cegos; e os seus corpos

sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos

vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo

que traziam de uma infância de magma

calcinado. A água ficava negra, à sua volta;

e os ramos das plantas submersas pelas chuvas

primaveris abraçavam-nas, puxando-as num

estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor

do verso; estendi-as na areia grossa

da margem, vendo as cobras de água fugirem

por entre os canaviais. Espreitei-lhes

o sexo por onde escorria o líquido branco

de um início. Pude dizer-lhes que as amava,

abraçando-as, como se estivessem vivas; e

ouvi um restolhar de crianças por entre

os arbustos, repetindo-me as frases com uma

entoação de riso. Onde estão essas mulheres?

Em que leito de rio dormem os seus corpos,

que os meus dedos procuram num gesto

vago de inquietação? Navego contra a corrente;

procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.


Nuno Júdice

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