O jardim alheio
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sábado, 4 de janeiro de 2025
A minha Musa antes de ser
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
Quando eu te desposar, teus dias
Quando eu te desposar, teus dias
Quando eu te desposar, teus dias
Serão dignos de invejas;
Desfrutarás mil alegrias
E ociosidade régia.
Hei de perdoar-te mau humor,
E queixas mas -- é claro –
Se não cobrires de louvor
Meu verso, eu me separo.
Und bist du erst mein ehlich Weib
Und bist du erst mein ehlich Weib,
Dann bist du zu beneiden,
Dann lebst du in lauter Zeitvertreib,
In lauter Pläsier und Freuden.
Und wenn du schiltst und wenn du tobst,
Ich werd es geduldig leiden;
Doch wenn du meine Verse nicht lobst,
Laß ich mich von dir scheiden.
HEINE, Heinrich. "Und bist du erst mein ehlich Weib" / "Quando eu te desposar". In: ASCHER, Nelson (trad. e org.). Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
FÁBULA
Um pensamento pensado
até a total exaustão
termina por geminar
no mesmo exato lugar
sua exata negação.
Enquanto isso, uma ideia
trauteada numa flauta
faz uma cidade erguer-se --
é claro, sem alicerces,
mas ninguém dá pela falta.
BRITTO, Paulo Henriques. "Fábula". In: "Formas do nada" (2012). In: Por ora. Poesia reunida (1982-2018). Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa, 2021.
Com o tempo a sabedoria
Com o tempo a sabedoria
Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;
Agora posso murchar no coração da verdade.
The coming of wisdom with time
Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.
YEATS, W.B. "The coming of wisdom with time" / "Com o tempo a sabedoria". In: Uma antologia. Trad. de BAPTISTA, José Agostinho (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010)
Rumor do mundo
As palavras, vício
torpe, antigo.
As últimas? As primeiras?
Como os ouriços
abrem-se ao rumor do mundo:
o sol ainda verde dos limões,
os esquilos
doutras tardes, o latido
da chuva nas janelas,
os velhos em redor do lume
— nunca foram tão belas.
Eugénio Andrade
quinta-feira, 21 de setembro de 2023
Um Jardim
Um jardim
Peço silêncio
Minha história é longa e triste como a cabeleira de Ofélia
É um jardim desenhado em meu caderno. Madrugada. Instante dilacerante
em que a luz é tentação e promessa porque algo está morto, a noite.
– Só queria ver o jardim.
– Sou meu próprio espectro.
– Não se deve julgar o espectro porque se chega a sê-lo.
– Você é real?
– A imagem de um coração que enclausura a imagem de um jardim pelo qual choro.
– Ils jouent la pièce en étranger.[1]
– Sinto o mundo chorar como língua estrangeira.
– Das ganze verkerhrte Wesen fort.[2]
– Another calling: my own words coming back…[3]
Apenas buscava um lugar mais ou menos propício para viver, quer dizer: um lugar pequeno onde cantar e poder chorar tranquila de vez em quando. Na verdade, não queria uma casa; Sombra queria um jardim.
– Só vim ver o jardim – disse.
Mas cada vez que visitava um jardim comprovava que não era o que buscava, o que queria. Era como falar ou escrever. Depois de falar ou de escrever sempre tinha que explicar:
– Não, não é isso o que eu queria dizer.
E o pior é que também o silêncio a traía.
– É por que o silêncio não existe – disse.
O jardim, as vozes, a escritura, o silêncio.
– Não faço outra coisa além de buscar e não encontrar. Assim perco as noites.
Sentiu que era culpada de algo grave.
– Eu acredito nas noites – disse.
Não soube responder a isso: sentiu que cravavam uma flor azul em seu pensamento para que não seguisse o curso de seu discurso até o fundo.
– É porque o fundo não existe – disse.
A flor azul se abriu em sua mente. Viu palavras como pequenas pedras espalhadas no espaço negro da noite. Depois, passou um cisne com rodinhas com um grande macaco vermelho no interrogativo pescoço. Uma menininha que parecia com ela montava o cisne.
– Essa menininha fui eu – disse Sombra.
Sombra está desconcertada. Diz para si mesma que, na verdade, trabalha demais desde que Sombra morreu. Tudo é pretexto para ser um pretexto, pensou Sombra assombrada.
1-V-1972
Alejandra Pizarnik
Tradução de Nina Rizzi
Un Jardín
Pido el silencio.
Mi historia es larga y triste como la cabellera de Ofelia.
Es un jardín dibujado en mi cuaderno. Madrugada. Instante desgarrado
en que la luz es tentación y promesa porque algo ha muerto,
la noche.
-Sólo quería ver el jardín.
-Soy mi propio espectro.
-No hay que jugar al espectro porque se llega a serlo.
-¿Sos real?
-La imagen de un corazón que encierra la imagen de un jardín
Por el que voy llorando.
-Ils jouent la pièce en ètranger.
(Juegan la pieza como un extraño)
-Sinto o mundo chorar como lingua estrangeira.
(Lloro por el mundo como lengua extranjera)
-Das ganze verkehrte Wesen fort.
(El sistema en su conjunto en posición invertida sobre)
-Another calling: my own words coming back…
(Otra llamada: mis propias Palabras a volver…)
Sólo buscaba un lugar más o menos propicio para vivir,
quiero decir: un sitio pequeño en donde cantar y poder llorar
tranquila a veces. En verdad no quería una casa; Sombra quería un jardín.
-Sólo vine a ver el jardín –dijo.
Pero cada vez que visitaba un jardín comprobaba que no era el que buscaba,
el que quería. Era como hablar o escribir. Después de hablar o de escribir
Siempre tenía que explicar:
-No, no es eso lo que yo quería decir.
Y lo peor es que también el silencio la traicionaba.
-Es porque el silencio no existe –dijo.
El jardín, las voces, la escritura, el silencio.
-No hago otra cosa que buscar y no encontrar. Así pierdo las noches.
Sintió que era culpable de algo grave.
-Yo creo en las noches –dijo.
A lo cual no supo responderse: sintió que le clavaban una flor azul
En el pensamiento con el fin de que no siguiera el curso de su discurso
Hasta el fondo.
-Es porque el fondo no existe –dijo.
La flor azul se abrió en su mente. Vio palabras como pequeñas piedras
diseminadas en el espacio negro de la noche. Luego,
pasó un cisne con rueditas con un gran moño rojo en el interrogativo cuello.
Una niñita que se le parecía montaba al cisne.
-Esa niñita fui yo –dijo Sombra.
Sombra está desconcertada. Se dice que, en verdad trabaja demasiado
Desde que murió Sombra. Todo es pretexto para ser un pretexto,
Pensó Sombra asombrada.
Alejandra Pizarnik