quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Um Jardim

Um jardim


Peço silêncio

Minha história é longa e triste como a cabeleira de Ofélia


É um jardim desenhado em meu caderno. Madrugada. Instante dilacerante

em que a luz é tentação e promessa porque algo está morto, a noite.


– Só queria ver o jardim.

– Sou meu próprio espectro.

– Não se deve julgar o espectro porque se chega a sê-lo.

– Você é real?

– A imagem de um coração que enclausura a imagem de um jardim pelo qual choro.

– Ils jouent la pièce en étranger.[1]

– Sinto o mundo chorar como língua estrangeira.

– Das ganze verkerhrte Wesen fort.[2]

– Another calling: my own words coming back…[3]


Apenas buscava um lugar mais ou menos propício para viver, quer dizer: um lugar pequeno onde cantar e poder chorar tranquila de vez em quando. Na verdade, não queria uma casa; Sombra queria um jardim.

– Só vim ver o jardim – disse.


Mas cada vez que visitava um jardim comprovava que não era o que buscava, o que queria. Era como falar ou escrever. Depois de falar ou de escrever sempre tinha que explicar:


– Não, não é isso o que eu queria dizer.

E o pior é que também o silêncio a traía.

– É por que o silêncio não existe – disse.

O jardim, as vozes, a escritura, o silêncio.

– Não faço outra coisa além de buscar e não encontrar. Assim perco as noites.

Sentiu que era culpada de algo grave.

– Eu acredito nas noites – disse.

Não soube responder a isso: sentiu que cravavam uma flor azul em seu pensamento para que não seguisse o curso de seu discurso até o fundo.

– É porque o fundo não existe – disse.

A flor azul se abriu em sua mente. Viu palavras como pequenas pedras espalhadas no espaço negro da noite. Depois, passou um cisne com rodinhas com um grande macaco vermelho no interrogativo pescoço. Uma menininha que parecia com ela montava o cisne.

– Essa menininha fui eu – disse Sombra.


Sombra está desconcertada. Diz para si mesma que, na verdade, trabalha demais desde que Sombra morreu. Tudo é pretexto para ser um pretexto, pensou Sombra assombrada.


1-V-1972 


Alejandra Pizarnik

Tradução de Nina Rizzi



Un Jardín



Pido el silencio.

Mi historia es larga y triste como la cabellera de Ofelia.


Es un jardín dibujado en mi cuaderno. Madrugada. Instante desgarrado

en que la luz es tentación y promesa porque algo ha muerto,

la noche.


-Sólo quería ver el jardín.

-Soy mi propio espectro.

-No hay que jugar al espectro porque se llega a serlo.

-¿Sos real?

-La imagen de un corazón que encierra la imagen de un jardín

Por el que voy llorando.

-Ils jouent la pièce en ètranger.

(Juegan la pieza como un extraño)

-Sinto o mundo chorar como lingua estrangeira.

(Lloro por el mundo como lengua extranjera)

-Das ganze verkehrte Wesen fort.

(El sistema en su conjunto en posición invertida sobre)

-Another calling: my own words coming back…

(Otra llamada: mis propias Palabras a volver…)


Sólo buscaba un lugar más o menos propicio para vivir,

quiero decir: un sitio pequeño en donde cantar y poder llorar

tranquila a veces. En verdad no quería una casa; Sombra quería un jardín.

-Sólo vine a ver el jardín –dijo.

Pero cada vez que visitaba un jardín comprobaba que no era el que buscaba,

el que quería. Era como hablar o escribir. Después de hablar o de escribir

Siempre tenía que explicar:

-No, no es eso lo que yo quería decir.

Y lo peor es que también el silencio la traicionaba.

-Es porque el silencio no existe –dijo.

El jardín, las voces, la escritura, el silencio.

-No hago otra cosa que buscar y no encontrar. Así pierdo las noches.

Sintió que era culpable de algo grave.

-Yo creo en las noches –dijo.

A lo cual no supo responderse: sintió que le clavaban una flor azul

En el pensamiento con el fin de que no siguiera el curso de su discurso

Hasta el fondo.


-Es porque el fondo no existe –dijo.

La flor azul se abrió en su mente. Vio palabras como pequeñas piedras

diseminadas en el espacio negro de la noche. Luego,

pasó un cisne con rueditas con un gran moño rojo en el interrogativo cuello.

Una niñita que se le parecía montaba al cisne.

-Esa niñita fui yo –dijo Sombra.


Sombra está desconcertada. Se dice que, en verdad trabaja demasiado

Desde que murió Sombra.  Todo es pretexto para ser un pretexto,

Pensó Sombra asombrada.


Alejandra Pizarnik

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

DA SORTE

Quem quer escapar precisa de sorte.
Sem sorte
Ninguém se salva do frio
Da fome e mesmo dos homens.
Sorte ajuda.
Tive muita sorte. Por isso
Ainda estou aqui.
Mas vendo o futuro, percebo tremendo
O quanto de sorte ainda preciso.
Sorte ajuda.
Forte é quem tem sorte.
Um bom combatente e um sábio professor
É um que tem sorte.
Sorte ajuda.
.
* * *
.
VOM GLÜCK
Wer entkommen will, braucht Glück.
Ohne Glück
Rettet sich keiner von der Kalte
Vor dem Hunger oder gar vor Menschen.
Glück ist Hilfe.
Ich habe viel Glück gehabt. Deshalb
Bin ich noch da.
Aber in die Zukunft schauend, erkenne ich schaudernd
Wieviel Glück ich noch brauche.
Glück ist Hilfe.
Stark ist, wer Glück hat.
Ein guter Kämpfer und ein weiser Lehrer
Ist einer mit Glück.
Glück ist Hilfe.

Bertol Brecht
.
*
Trad.: André Vallias

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Os fatos



George Grosz

Os fatos

São fatais para o idiota.

O que importa

É o que dizem outros idiotas.


Criam um mundo paralelo:

No furo da agulha passa um fuzil.

Criam seu evangelho,

Criam um Deus e uma Pátria que os pariu.

https://alexsartorelli.blogspot.com/


terça-feira, 5 de julho de 2022

O lírio prateado


As noites ficaram frias de novo, como as noites


de começo de primavera, e quietas de novo. Será


que a conversa te incomoda? Estamos


sozinhos agora; não temos razão para silêncio.


 


Vês, sobre o jardim — a lua cheia nasce.


Não verei a próxima lua cheia.


 


Na primavera, quando a lua nascia, significava


que o tempo era infinito. Anêmonas


abriam e fechavam, as sementes


em cachos caíam dos bordos em pálidas lufadas.


Branco sobre branco, a lua nascia sobre o vidoeiro.


E no arco em que a árvore se divide,


folhas dos primeiros narcisos, ao luar


prata-verde-claras.


 


Juntos, chegamos perto demais do fim para agora


temermos o fim. Nessas noites, não estou nem mesmo certa


de que sei o que significa o fim. E tu, que estiveste


com um homem —




depois dos primeiros gritos,


não faz a alegria, como o medo, barulho algum?


Louise Glück

(Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)




The Silver Lily

BY LOUISE GLÜCK


The nights have grown cool again, like the nights

of early spring, and quiet again. Will

speech disturb you? We're

alone now; we have no reason for silence.


Can you see, over the garden—the full moon rises.

I won't see the next full moon.


In spring, when the moon rose, it meant

time was endless. Snowdrops

opened and closed, the clustered

seeds of the maples fell in pale drifts.

White over white, the moon rose over the birch tree.

And in the crook, where the tree divides,

leaves of the first daffodils, in moonlight

soft greenish-silver.


We have come too far together toward the end now

to fear the end. These nights, I am no longer even certain

I know what the end means. And you, who've been with a man—


after the first cries,

doesn't joy, like fear, make no sound?

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Eu amei esses lugares

Eu amei esses lugares

onde o sol

secretamente se deixava acariciar.



Onde passaram lábios,

onde as mãos correram inocentes,

o silêncio queima.



Amei como quem rompe a pedra,

ou se perde

na vagarosa floração do ar.





ANDRADE, Eugénio de. "Eu amei esses lugares". In:_____ "Matéria solar". In: SARAIVA, Arnaldo (org.). Poemas de Eugénio de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

E o teu vestido é branco

 Tens a cabeça baixa e me olhas:

e o teu vestido é branco,

e um seio aflora de entre as rendas

soltas do teu ombro esquerdo.


A luz me supera; treme,

e te toca os braços nus.


Revejo-te. Tinhas

palavras poucas e breves,

que punham alma

no peso de uma vida

que sabia a circo.


Profunda era a estrada

por onde o vento descia

certas noites de inverno,

e nos despertava estranhos


Salvatore Quasimodo

Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti


Piegato hai il capo e mi guardi;

e la tua veste è bianca,

e un seno affiora dalla trina

sciolta sull’omero sinistro.


Mi supera la luce; trema,

e tocca le tue braccia nude.Ti rivedo. Parole

avevi chiuse e rapide,

che mettevano cuore

nel peso d’una vita

che sapeva di circo.Profonda la strada

su cui scendeva il vento

certe notti di marzo,

e ci svegliava ignoti

come la prima volta.


Salvatore Quasimodo

segunda-feira, 18 de maio de 2020

ÁGUA ÁGUA 

Menina sublunar, afogada,
que voz de prata te embala
toda desfolhada?

Tendo como um só adorno
o anel de seus vestidos,
ela própria é quem se encanta
numa canção de acalanto
presa ainda na garganta.

Olga Savary