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quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Estava deitado...
Estava deitado...
Estava deitado dormitando sob
uma árvore quando me despertou
o rumor de uns ramos e vi
passar um homem voando;
mas agora que o digo, talvez fosse
um pássaro.
M'estava ajaçat...
M'estava ajaçat dormitant sota
un arbre quan em va despertar
un soroll de branques i vaig veure
que passava un home volant;
però, ara que ho dic, potser era
un ocell.
Tradução de Antonio Cicero
BROSSA, Joan. Poemes de Joan Brossa (antologia). Madrid: Ediciones Libertarias, 1983.
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Catalão,
Joan Brossa,
O espaço ao redor e além,
Tradutor Antonio Cicero
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
A companhia dos amigos
O jogo estava marcado para as 10 horas, mas começou quase 11. O time de Ipanema e Leblon tinha alguns elementos de valor, como Aníbal Machado, Vinícius de Morais, Lauro Escorel, Carlos Echenique, o desenhista Carlos Thiré, e um cunhado do Aníbal que era um extrema-direita tão perigoso que fui obrigado a lhe dar uma traulitada na canela para diminuir-lhe o entusiasmo.
Eu era beque do Copacabana e atrás de mim o guardião e pintor Di Cavalcanti. Na linha média e na atacante jogavam um tanto confusamente Augusto Frederico Schmidt, Fernando Sabino, Orígenes Lessa, Newton Freitas, Moacir Werneck de Castro, o escultor Pedrosa o crítico Paulo Mendes Campos.
Não havia juiz, o que facilitou, muito a movimentação da peleja, que se desenrolou em três tempos, ficando convencionado que houve dois jogos. Copacabana venceu o primeiro por 1x0 (houve um gol anulado porque Di Cavalcanti declarou que passara por cima da trave; e, como não havia trave, ninguém pôde desmentir).
O segundo jogo também vencemos, por 2 a 1. Esse 1 deles foi feito passando sobre o meu cadáver. Senti um golpe no joelho, outro nos rins e outro na barriga; elevei-me no ar e me abati na areia, tendo comido um pouco da mesma.
A torcida era composta de variegadas senhoras que ficavam sob as barracas e chupavam melancia.
Uma saída do center-forward Schmidt (passando a bola gentilmente para trás, para o center-half) e uma defesa de Echenique foram os instantes de maior sensação.
Carlos Drummond de Andrade deixou de comparecer, assim como outros jogadores do Copacabana, como Sérgio Buarque de Holanda e Chico Assis Barbosa.
Afonso Arinos de Melo Franco jogará também no próximo encontro, em que o Leblon terá o reforço de Fernando Tude e Édison Carneiro, além de Otávio Dias Leite e outros. Joel Silveira mora em Botafogo, mas como sua casa é perto do Túnel Velho jogará no Copacabana.
Assim nos divertimos nós, os cavalões, na areia.
As mulheres riam de nosso “prego". Suados, exautos de correr sob o sol terrível na areia quente e funda, éramos ridículos e lamentáveis, éramos todos profundamente derrotados. Ah, bom tempo em que eu jogava um jogo inteiro - um meia-direita medíocre mas furiosa - e ainda ia para casa chutando toda pedra que encontrava no caminho.
Depois mergulhamos na água boa e ficamos ali, uns 30 homens e mulheres, rapazes e moças, a bestar e conversar na praia. Doce é a companhia dos amigos; doce é a visão das mulheres em seus maiôs, doce é a sombra das barracas; e ali ficamos debaixo do sol, junto do mar, perante as montanhas azuis.
Ah, roda de amigos e mulheres, esses momentos de praia serão mais tarde momentos antigos. Um pensamento horrivelmente besta, mas doloroso. Aquele amará aquela, aqueles se separarão; uns irão para longe, uns vão morrer de repente, uns vão ficar inimigos.
Um atraiçoará, outro fracassará amargamente, outro ainda ficará rico, distante e duro. E de outro ninguém mais ouvirá falar, e aquela mulher que está deitada, rindo tanto sua risada clara, o corpo molhado, será aflita e feia, azeda e triste.
E houve o Natal. Os Bragas jamais cultivaram com muito ardor o Natal; lembro-me que o velho sempre gostava de reunir a gente num jantar, mas a verdade é que sempre faltava um ou outro no dia.
Nossas grandes festas eram São João e São Pedro - em São João havia fogueira no quintal, perto do grande pé de fruta-pão, e em São Pedro, padroeiro da cidade, havia uma tremenda batalha Naval aérea inesquecível de fogos de artifício. Hoje não há mais nem São João, nem São Pedro, e continua não havendo Natal.
Tomei um suco de laranja e fui dormir. A cidade estava insuportável, com milhões de pessoas na rua, os caixeiros exaustos, os preços arbitrários, o comércio, com o perdão da palavra, lavando a égua, se enchendo de dinheiro. Terá nascido Cristo para todo ano dar essa enxurrada de dinheiro aos senhores comerciantes, que já em novembro começam a espreitar o pequenino berço na estrebaria com um olhar cúpido?
Atravessarei o ano na casa fraterna de Vinícius de Moraes. Estaremos com certeza bêbedos e melancólicos - mas, em todo caso, meus amigos, se eu não ficar melancólico farei ao menos tudo para ficar bêbedo. Como passam anos!
Ultimamente têm passado muitos anos. Mas não falemos nisso.
Dezembro, 1945
Rubem Braga
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Rubem Braga
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
A Morte virá e Terá os Teus Olhos
A morte virá e terá os teus olhos –
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês cada manhã
quando, sob ti só, pendes
no espelho. Oh, que esperança,
nesse dia saberemos, também nós,
que és a vida e és o nada.
A morte tem um olhar para todos.
A morte virá e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
ressurgir uma face morta,
como ouvir os lábios fechados.
Desceremos mudos ao abismo.
Cesare Pavese
Tradução de José Carlos Brandão
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi-
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla
Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês cada manhã
quando, sob ti só, pendes
no espelho. Oh, que esperança,
nesse dia saberemos, também nós,
que és a vida e és o nada.
A morte tem um olhar para todos.
A morte virá e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
ressurgir uma face morta,
como ouvir os lábios fechados.
Desceremos mudos ao abismo.
Cesare Pavese
Tradução de José Carlos Brandão
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi-
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla
Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
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Tradutor José Carlos Brandão
terça-feira, 15 de outubro de 2013
O mar mistura-se ao mar
O mar mistura-se ao mar
Mescla os seus laços, lagos, poças
Suas idéias de gaivotas e de espumas
Seus sonhos de algas e alcatrazes
Aos graves crisântemos azuis ao largo
Aos miosótis em tufos nos muros alvos das ilhas
Às equimoses do horizonte, aos faróis apagados
Aos sonhos do céu impenetrável.
La mer se mêle avec la mer
Mélange ses lacs et ses flaques
Ses idées de mouettes et d'écumes
Ses rêves d'algues et de cormorans
Aux lourds chrysanthèmes bleus du large
Aux myosotis en touffes sur les murs blancs des îles
Aux ecchymoses de l'horizon, aux phares éteints
Aux songes du ciel impénétrable
De: MAULPOIX, Jean-Michel. "La mer se mêle avec la mer". In: LARANJEIRA, Mário (seleção, tradução e introdução). Poetas de França hoje. São Paulo: Edusp / Fapesp, 1996.
Mescla os seus laços, lagos, poças
Suas idéias de gaivotas e de espumas
Seus sonhos de algas e alcatrazes
Aos graves crisântemos azuis ao largo
Aos miosótis em tufos nos muros alvos das ilhas
Às equimoses do horizonte, aos faróis apagados
Aos sonhos do céu impenetrável.
La mer se mêle avec la mer
Mélange ses lacs et ses flaques
Ses idées de mouettes et d'écumes
Ses rêves d'algues et de cormorans
Aux lourds chrysanthèmes bleus du large
Aux myosotis en touffes sur les murs blancs des îles
Aux ecchymoses de l'horizon, aux phares éteints
Aux songes du ciel impénétrable
De: MAULPOIX, Jean-Michel. "La mer se mêle avec la mer". In: LARANJEIRA, Mário (seleção, tradução e introdução). Poetas de França hoje. São Paulo: Edusp / Fapesp, 1996.
domingo, 13 de outubro de 2013
Templo da Barra
O verde dos bambus mais altos é azul
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.
Eugénio de Andrade
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.
Eugénio de Andrade
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Relógio
Relógio
Dama pequeníssima
moradora no coração de um pássaro
sai na alba a pronunciar uma sílaba
NÃO
RELOJ
Dama pequeñísima
moradora en el corazón de un pájaro
sale al alba a pronunciar una sílaba
NO
Alejandra Pizarnik
Tradução de João Alexandre Sartorelli
Dama pequeníssima
moradora no coração de um pássaro
sai na alba a pronunciar uma sílaba
NÃO
RELOJ
Dama pequeñísima
moradora en el corazón de un pájaro
sale al alba a pronunciar una sílaba
NO
Alejandra Pizarnik
Tradução de João Alexandre Sartorelli
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quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Manhã de Domingo
Manhã de Domingo
1.
Complacência de penhoar, café
E laranjas ao sol das onze horas,
Verde indolência de uma cacatua
No tapete – isso ajuda a dissipar
O santo silêncio do sacrifício.
Mas ela sonha, e sente aproximar-se,
Escura e lenta, a catástrofe antiga,
Como o descer da noite sobre as águas.
O odor das frutas, o brilho de asas verdes
Virão talvez da procissão dos mortos,
Que atravessa as águas, silenciosa.
Aquietou-se para dar passagem
A seus pés sonhadores sobre os mares
A Terra Santa de sangue e sepulcro.
2.
Por que legar aos mortos o que é seu?
O que é o divino, se se manifesta
Somente em sonhos, sombras silenciosas?
Por que não encontrar prazer no sol,
No odor das frutas, brilho de asas verdes,
Em qualquer outro bálsamo terreno,
Tão caro quanto o próprio paraíso?
É nela que o divino há de viver:
Paixões chuvosas, cismas de nevascas,
Negras solidões, gozos incontidos
Quando a floresta se abre em flor; lufadas
De emoção em noites frescas de outono;
Toda dor e delícia; gordos ramos
De verão, galhos desnudos de inverno.
Estes, os ritmos próprios de sua alma.
3.
Nas nuvens nasceu Jove, o não-humano,
Que mãe não aleitou, e em relva fresca
Com passos divinais jamais pisou.
Caminhou entre nós, um rei absorto,
Magnífico, portento entre os humildes,
Até que sangue humano e virginal
Mesclou-se ao céu, anseio tão intenso
Que o viram os mais humildes, numa estrela.
Quem sabe nosso sangue ainda virá
A ser do paraíso? Será a terra
O único paraíso possível?
O céu ainda será nosso aliado,
Na dor e no cansaço, quase igual
Em glória ao próprio amor imorredouro,
Não mais um muro indiferente e azul.
4.
Diz ela: “Quando os pássaros questionam
Com cantos matinais a realidade
Dos campos enevoados, sou feliz;
Mas quando vão-se embora, e vai-se junto
Toda a paisagem, onde o paraíso?”.
Não há nenhuma negra profecia,
Não há quimera sepulcral tampouco,
Nem ilha melodiosa, habitada
Por espíritos, nem doce eldorado
No sul, nem palmeira em longínqua névoa
De outeiro no céu, que perdure mais
Do que o verdor da primavera, mais
Que a lembrança de uma manhã com pássaros,
Ou um desejo de tarde de verão
Consumada em asas de andorinhas.
5.
Diz ela: “Ainda assim, sei que preciso
De alguma alegria imperecível”.
A morte é a mãe do belo, e só a morte
Satisfaz nossos sonhos e desejos.
Ainda que ela espalhe as folhas secas
Do aniquilamento a nossa frente
Pelo caminho da dor, pelos muitos
Caminhos onde exultou a vitória,
Ou onde o amor sussurrou sua ternura,
Faz o salgueiro estremecer ao sol,
Para moças que antes sonhavam na relva
E agora se levantam. Faz rapazes
Juntarem maçãs e ameixas novas
Num prato esquecido. As moças provam,
E apaixonadas andam sobre folhas.
6.
Não haverá morte no paraíso?
Não cairá a fruta madura? Os galhos
Hão de ficar para sempre carregados
Naquele céu perfeito e imutável,
E ao mesmo tempo semelhante ao mundo
Mortal, com rios que buscam sempre mares
Que nunca hão de tocar com lábios mudos?
De que servem as maças nessas margens?
Por que adoçar com ameixas aquelas praias?
Que triste, lá brilharem nossas cores,
Tecer-se a seda de nossas manhãs,
Soarem nossos violões insípidos!
A morte é a mãe de todo o belo, mística,
E no seu seio cálido sonhamos
A mãe terrena, insone, a nossa espera.
7.
Homens ágeis e alegres, de mãos dadas,
Numa manhã de verão, em plena orgia,
Hão de cantar em devoção ao sol,
Não como deus, mas como um deus seria,
Nu entre eles, uma fonte bárbara.
E seu canto há de ser paradisíaco,
Saído do seu sangue para o céu;
E em seu canto entrará, em cada voz,
O lago que deleita o seu senhor,
As árvores seráficas, e os montes
Por muito tempo a repetir sua música.
Conhecerão a sagrada irmandade
De homens mortais e estivais manhãs.
E de onde vieram, e para onde irão,
O orvalho em seu pés indicará.
8.
Ela ouve, nas águas silenciosas,
Uma voz gritar: “O Santo Sepulcro
Não é alpendre onde repousem espíritos,
É o túmulo onde jazeu Jesus”.
Vivemos nesse velho caos de sol,
Ou velha servidão de noite e dia,
Ou solidão de ilha, livre e solta,
De águas silenciosas e implacáveis.
Cervos andam pelos montes; codornas
Assobiam, espontâneas; e nas matas
Amoras silvestres amadurecem.
E, no isolamento do azul,
Ao entardecer, pombas revoam a esmo,
Fazendo ondulações ambíguas, vagas,
Em direção à sombra, com suas asas.
.
Sunday Morning
I
Complacencies of the peignoir, and late
Coffee and oranges in a sunny chair,
And the green freedom of a cockatoo
Upon a rug mingle to dissipate
The holy hush of ancient sacrifice.
She dreams a little, and she feels the dark
Encroachment of that old catastrophe,
As a calm darkens among water-lights.
The pungent oranges and bright, green wings
Seem things in some procession of the dead,
Winding across wide water, without sound.
The day is like wide water, without sound,
Stilled for the passing of her dreaming feet
Over the seas, to silent Palestine,
Dominion of the blood and sepulchre.
II
Why should she give her bounty to the dead?
What is divinity if it can come
Only in silent shadows and in dreams?
Shall she not find in comforts of the sun,
In pungent fruit and bright, green wings, or else
In any balm or beauty of the earth,
Things to be cherished like the thought of heaven?
Divinity must live within herself:
Passions of rain, or moods in falling snow;
Grievings in loneliness, or unsubdued
Elations when the forest blooms; gusty
Emotions on wet roads on autumn nights;
All pleasures and all pains, remembering
The bough of summer and the winter branch.
These are the measures destined for her soul.
III
Jove in the clouds had his inhuman birth.
No mother suckled him, no sweet land gave
Large-mannered motions to his mythy mind.
He moved among us, as a muttering king,
Magnificent, would move among his hinds,
Until our blood, commingling, virginal,
With heaven, brought such requital to desire
The very hinds discerned it, in a star.
Shall our blood fail? Or shall it come to be
The blood of paradise? And shall the earth
Seem all of paradise that we shall know?
The sky will be much friendlier then than now,
A part of labor and a part of pain,
And next in glory to enduring love,
Not this dividing and indifferent blue.
IV
She says, “I am content when wakened birds,
Before they fly, test the reality
Of misty fields, by their sweet questionings;
But when the birds are gone, and their warm fields
Return no more, where, then, is paradise?”
There is not any haunt of prophesy,
Nor any old chimera of the grave,
Neither the golden underground, nor isle
Melodious, where spirits gat them home,
Nor visionary south, nor cloudy palm
Remote on heaven’s hill, that has endured
As April’s green endures; or will endure
Like her remembrance of awakened birds,
Or her desire for June and evening, tipped
By the consummation of the swallow’s wings.
V
She says, “But in contentment I still feel
The need of some imperishable bliss.”
Death is the mother of beauty; hence from her,
Alone, shall come fulfilment to our dreams
And our desires. Although she strews the leaves
Of sure obliteration on our paths,
The path sick sorrow took, the many paths
Where triumph rang its brassy phrase, or love
Whispered a little out of tenderness,
She makes the willow shiver in the sun
For maidens who were wont to sit and gaze
Upon the grass, relinquished to their feet.
She causes boys to pile new plums and pears
On disregarded plate. The maidens taste
And stray impassioned in the littering leaves.
VI
Is there no change of death in paradise?
Does ripe fruit never fall? Or do the boughs
Hang always heavy in that perfect sky,
Unchanging, yet so like our perishing earth,
With rivers like our own that seek for seas
They never find, the same receding shores
That never touch with inarticulate pang?
Why set the pear upon those river banks
Or spice the shores with odors of the plum?
Alas, that they should wear our colors there,
The silken weavings of our afternoons,
And pick the strings of our insipid lutes!
Death is the mother of beauty, mystical,
Within whose burning bosom we devise
Our earthly mothers waiting, sleeplessly.
VII
Supple and turbulent, a ring of men
Shall chant in orgy on a summer morn
Their boisterous devotion to the sun,
Not as a god, but as a god might be,
Naked among them, like a savage source.
Their chant shall be a chant of paradise,
Out of their blood, returning to the sky;
And in their chant shall enter, voice by voice,
The windy lake wherein their lord delights,
The trees, like serafin, and echoing hills,
That choir among themselves long afterward.
They shall know well the heavenly fellowship
Of men that perish and of summer morn.
And whence they came and whither they shall go
The dew upon their feet shall manifest.
VIII
She hears, upon that water without sound,
A voice that cries, “The tomb in Palestine
Is not the porch of spirits lingering.
It is the grave of Jesus, where he lay.”
We live in an old chaos of the sun,
Or old dependency of day and night,
Or island solitude, unsponsored, free,
Of that wide water, inescapable.
Deer walk upon our mountains, and the quail
Whistle about us their spontaneous cries;
Sweet berries ripen in the wilderness;
And, in the isolation of the sky,
At evening, casual flocks of pigeons make
Ambiguous undulations as they sink,
Downward to darkness, on extended wings.
Wallace Stevens
Tradução de Paulo Henriques Britto
1.
Complacência de penhoar, café
E laranjas ao sol das onze horas,
Verde indolência de uma cacatua
No tapete – isso ajuda a dissipar
O santo silêncio do sacrifício.
Mas ela sonha, e sente aproximar-se,
Escura e lenta, a catástrofe antiga,
Como o descer da noite sobre as águas.
O odor das frutas, o brilho de asas verdes
Virão talvez da procissão dos mortos,
Que atravessa as águas, silenciosa.
Aquietou-se para dar passagem
A seus pés sonhadores sobre os mares
A Terra Santa de sangue e sepulcro.
2.
Por que legar aos mortos o que é seu?
O que é o divino, se se manifesta
Somente em sonhos, sombras silenciosas?
Por que não encontrar prazer no sol,
No odor das frutas, brilho de asas verdes,
Em qualquer outro bálsamo terreno,
Tão caro quanto o próprio paraíso?
É nela que o divino há de viver:
Paixões chuvosas, cismas de nevascas,
Negras solidões, gozos incontidos
Quando a floresta se abre em flor; lufadas
De emoção em noites frescas de outono;
Toda dor e delícia; gordos ramos
De verão, galhos desnudos de inverno.
Estes, os ritmos próprios de sua alma.
3.
Nas nuvens nasceu Jove, o não-humano,
Que mãe não aleitou, e em relva fresca
Com passos divinais jamais pisou.
Caminhou entre nós, um rei absorto,
Magnífico, portento entre os humildes,
Até que sangue humano e virginal
Mesclou-se ao céu, anseio tão intenso
Que o viram os mais humildes, numa estrela.
Quem sabe nosso sangue ainda virá
A ser do paraíso? Será a terra
O único paraíso possível?
O céu ainda será nosso aliado,
Na dor e no cansaço, quase igual
Em glória ao próprio amor imorredouro,
Não mais um muro indiferente e azul.
4.
Diz ela: “Quando os pássaros questionam
Com cantos matinais a realidade
Dos campos enevoados, sou feliz;
Mas quando vão-se embora, e vai-se junto
Toda a paisagem, onde o paraíso?”.
Não há nenhuma negra profecia,
Não há quimera sepulcral tampouco,
Nem ilha melodiosa, habitada
Por espíritos, nem doce eldorado
No sul, nem palmeira em longínqua névoa
De outeiro no céu, que perdure mais
Do que o verdor da primavera, mais
Que a lembrança de uma manhã com pássaros,
Ou um desejo de tarde de verão
Consumada em asas de andorinhas.
5.
Diz ela: “Ainda assim, sei que preciso
De alguma alegria imperecível”.
A morte é a mãe do belo, e só a morte
Satisfaz nossos sonhos e desejos.
Ainda que ela espalhe as folhas secas
Do aniquilamento a nossa frente
Pelo caminho da dor, pelos muitos
Caminhos onde exultou a vitória,
Ou onde o amor sussurrou sua ternura,
Faz o salgueiro estremecer ao sol,
Para moças que antes sonhavam na relva
E agora se levantam. Faz rapazes
Juntarem maçãs e ameixas novas
Num prato esquecido. As moças provam,
E apaixonadas andam sobre folhas.
6.
Não haverá morte no paraíso?
Não cairá a fruta madura? Os galhos
Hão de ficar para sempre carregados
Naquele céu perfeito e imutável,
E ao mesmo tempo semelhante ao mundo
Mortal, com rios que buscam sempre mares
Que nunca hão de tocar com lábios mudos?
De que servem as maças nessas margens?
Por que adoçar com ameixas aquelas praias?
Que triste, lá brilharem nossas cores,
Tecer-se a seda de nossas manhãs,
Soarem nossos violões insípidos!
A morte é a mãe de todo o belo, mística,
E no seu seio cálido sonhamos
A mãe terrena, insone, a nossa espera.
7.
Homens ágeis e alegres, de mãos dadas,
Numa manhã de verão, em plena orgia,
Hão de cantar em devoção ao sol,
Não como deus, mas como um deus seria,
Nu entre eles, uma fonte bárbara.
E seu canto há de ser paradisíaco,
Saído do seu sangue para o céu;
E em seu canto entrará, em cada voz,
O lago que deleita o seu senhor,
As árvores seráficas, e os montes
Por muito tempo a repetir sua música.
Conhecerão a sagrada irmandade
De homens mortais e estivais manhãs.
E de onde vieram, e para onde irão,
O orvalho em seu pés indicará.
8.
Ela ouve, nas águas silenciosas,
Uma voz gritar: “O Santo Sepulcro
Não é alpendre onde repousem espíritos,
É o túmulo onde jazeu Jesus”.
Vivemos nesse velho caos de sol,
Ou velha servidão de noite e dia,
Ou solidão de ilha, livre e solta,
De águas silenciosas e implacáveis.
Cervos andam pelos montes; codornas
Assobiam, espontâneas; e nas matas
Amoras silvestres amadurecem.
E, no isolamento do azul,
Ao entardecer, pombas revoam a esmo,
Fazendo ondulações ambíguas, vagas,
Em direção à sombra, com suas asas.
.
Sunday Morning
I
Complacencies of the peignoir, and late
Coffee and oranges in a sunny chair,
And the green freedom of a cockatoo
Upon a rug mingle to dissipate
The holy hush of ancient sacrifice.
She dreams a little, and she feels the dark
Encroachment of that old catastrophe,
As a calm darkens among water-lights.
The pungent oranges and bright, green wings
Seem things in some procession of the dead,
Winding across wide water, without sound.
The day is like wide water, without sound,
Stilled for the passing of her dreaming feet
Over the seas, to silent Palestine,
Dominion of the blood and sepulchre.
II
Why should she give her bounty to the dead?
What is divinity if it can come
Only in silent shadows and in dreams?
Shall she not find in comforts of the sun,
In pungent fruit and bright, green wings, or else
In any balm or beauty of the earth,
Things to be cherished like the thought of heaven?
Divinity must live within herself:
Passions of rain, or moods in falling snow;
Grievings in loneliness, or unsubdued
Elations when the forest blooms; gusty
Emotions on wet roads on autumn nights;
All pleasures and all pains, remembering
The bough of summer and the winter branch.
These are the measures destined for her soul.
III
Jove in the clouds had his inhuman birth.
No mother suckled him, no sweet land gave
Large-mannered motions to his mythy mind.
He moved among us, as a muttering king,
Magnificent, would move among his hinds,
Until our blood, commingling, virginal,
With heaven, brought such requital to desire
The very hinds discerned it, in a star.
Shall our blood fail? Or shall it come to be
The blood of paradise? And shall the earth
Seem all of paradise that we shall know?
The sky will be much friendlier then than now,
A part of labor and a part of pain,
And next in glory to enduring love,
Not this dividing and indifferent blue.
IV
She says, “I am content when wakened birds,
Before they fly, test the reality
Of misty fields, by their sweet questionings;
But when the birds are gone, and their warm fields
Return no more, where, then, is paradise?”
There is not any haunt of prophesy,
Nor any old chimera of the grave,
Neither the golden underground, nor isle
Melodious, where spirits gat them home,
Nor visionary south, nor cloudy palm
Remote on heaven’s hill, that has endured
As April’s green endures; or will endure
Like her remembrance of awakened birds,
Or her desire for June and evening, tipped
By the consummation of the swallow’s wings.
V
She says, “But in contentment I still feel
The need of some imperishable bliss.”
Death is the mother of beauty; hence from her,
Alone, shall come fulfilment to our dreams
And our desires. Although she strews the leaves
Of sure obliteration on our paths,
The path sick sorrow took, the many paths
Where triumph rang its brassy phrase, or love
Whispered a little out of tenderness,
She makes the willow shiver in the sun
For maidens who were wont to sit and gaze
Upon the grass, relinquished to their feet.
She causes boys to pile new plums and pears
On disregarded plate. The maidens taste
And stray impassioned in the littering leaves.
VI
Is there no change of death in paradise?
Does ripe fruit never fall? Or do the boughs
Hang always heavy in that perfect sky,
Unchanging, yet so like our perishing earth,
With rivers like our own that seek for seas
They never find, the same receding shores
That never touch with inarticulate pang?
Why set the pear upon those river banks
Or spice the shores with odors of the plum?
Alas, that they should wear our colors there,
The silken weavings of our afternoons,
And pick the strings of our insipid lutes!
Death is the mother of beauty, mystical,
Within whose burning bosom we devise
Our earthly mothers waiting, sleeplessly.
VII
Supple and turbulent, a ring of men
Shall chant in orgy on a summer morn
Their boisterous devotion to the sun,
Not as a god, but as a god might be,
Naked among them, like a savage source.
Their chant shall be a chant of paradise,
Out of their blood, returning to the sky;
And in their chant shall enter, voice by voice,
The windy lake wherein their lord delights,
The trees, like serafin, and echoing hills,
That choir among themselves long afterward.
They shall know well the heavenly fellowship
Of men that perish and of summer morn.
And whence they came and whither they shall go
The dew upon their feet shall manifest.
VIII
She hears, upon that water without sound,
A voice that cries, “The tomb in Palestine
Is not the porch of spirits lingering.
It is the grave of Jesus, where he lay.”
We live in an old chaos of the sun,
Or old dependency of day and night,
Or island solitude, unsponsored, free,
Of that wide water, inescapable.
Deer walk upon our mountains, and the quail
Whistle about us their spontaneous cries;
Sweet berries ripen in the wilderness;
And, in the isolation of the sky,
At evening, casual flocks of pigeons make
Ambiguous undulations as they sink,
Downward to darkness, on extended wings.
Wallace Stevens
Tradução de Paulo Henriques Britto
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