domingo, 11 de julho de 2010

Borra / Heces

Borra


Esta tarde chove como nunca; e não
tenho ganas de viver, coração.

Esta tarde é doce. Por que não há de ser?
Veste graça e pena; veste de mulher.

Esta tarde em Lima chove. E lembro
as cavernas cruéis de minha ingratidão: 
meu bloco de gelo sobre sua amapola,
mais forte que seu “Não sejas assim!”

Minhas violentas flores negras; e a bárbara
e enorme pedrada; e o trecho glacial.
E porá o silêncio de sua dignidade
com óleos ardentes o ponto final.

Por isso esta tarde, como nunca, vou
com este mocho, com este coração.

E outras passam; e vendo-me tão triste,
tomam um pouquinho de ti
na abrupta ruga de minha profunda dor.

Esta tarde chove, chove muito. E não
tenho ganas de viver, coração!

César Vallejo
Tradução de Antonio Cicero

Heces


Esta tarde llueve, como nunca; y no 
tengo ganas de vivir, corazón. 

Esta tarde es dulce. Por qué no ha de ser? 
Viste gracia y pena; viste de mujer. 

Esta tarde en Lima llueve. Y yo recuerdo 
las cavernas crueles de mi ingratitud; 
mi bloque de hielo sobre su amapola, 
más fuerte que su "No seas así!" 

Mis violentas flores negras; y la bárbara 
y enorme pedrada; y el trecho glacial. 
Y pondrá el silencio de su dignidad 
con óleos quemantes el punto final. 

Por eso esta tarde, como nunca, voy 
con este búho, con este corazón. 

Y otras pasan; y viéndome tan triste, 
toman un poquito de ti 
en la abrupta arruga de mi hondo dolor. 

Esta tarde llueve, llueve mucho. ¡Y no 
tengo ganas de vivir, corazón!




VALLEJO, César. Obra poética. Edición crítica. Américo Ferrari, coordinador. Madrid; París; México; Buenos Aires; São Paulo; Rio de Janeiro; Lima: ALLCA XX, 1996.

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