quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pedra negra sobre uma pedra branca

Morrerei em Paris com aguaceiros,
num dia do qual já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris – daqui não saio –
numa quinta-feira, como hoje, de outono.

Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
em que estes versos proso, dei os úmeros
à pouca sorte, e nunca como hoje
voltei, com todo o meu caminho, a ver-me só.

Morreu César Vallejo, espancavam-no
todos sem que lhes fizesse nada;
davam-lhe forte com um pau e forte

com uma corda também; são testemunhos
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, os caminhos, a chuva...

César Vallejo 
(Tradução de José Bento)

Piedra negra sobre una piedra blanca


Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París —y no me corro—
tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.


Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi camino, a verme solo.


César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro


también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos...

De:
VALLEJO, César. “Poemas póstumos I”. In: Obra poética. Org. p. Américo Ferrari. Madrid; Paris; México; Buenos Aires; São Paulo; Rio de Janeiro; Lima: AllcaXX, 1996;

e:

VALLEJO, César. Antologia poética. Tradução de José Bento. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.

2 comentários:

Renata Bomfim disse...

Olá Alexandre, eu gosto muito do vallejo, um artista versátil que transita por variadas linguagens
Um abração
renata

J Alexandre Sartorelli disse...

Vallejo é muito original.
Encontrei uma boa tradução de um poema de Trilce
grande abraço
Alexandre

TRILCE, XXVIII

Somente agora almocei, e não tive
mãe, nem súplica, nem serve-te, nem água,
nem pai que, no facundo ofertório
das chancas, pergunte para sua tardança
de imagem pelos broches maiores de som.

Como eu iria almoçar. Como me serviria
de tais pratos distantes essas coisas
quando se houvesse quebrado o próprio lar,
quando não surge nem mãe aos lábios.
Como eu iria almoçar nonada.

À mesa de um bom amigo almocei
com seu pais recém chegado do mundo,
com suas velhas tias que falam
em torto recinto de porcelana,
cochichando por todos seus viúvos alvéolos;
e com cobertos francos de alegres tiroliros,
porque estão em sua casa. Assim, que graça!
E me doeram as facas
desta mesa em todo o paladar.

O jantar destas mesas assim, em que se prova
amor alheio em vez do próprio amor,
torna terra o bocado que não brinda a
MÃE,
torna golpe a dura deglutição; o doce,
fel; azeite fúnebre, o café.

Quando já se quebrou o próprio lar,
e o serve-te não sai da
tumba,
a cozinha às escuras, a miséria de amor.

"Trilce XXVIII": tradução de Floriano Martins


He almorzado solo ahora, y no he tenido
madre, ni súplica, ni sírvete, ni agua,
ni padre que, en el facundo ofertorio
de los choclos, pregunte para su tardanza
de imagen, por los broches mayores del sonido.

Cómo iba yo a almorzar. Cómo me iba a servir
de tales platos distantes esas cosas,
cuando habráse quebrado el propio hogar,
cuando no asoma ni madre a los labios.
Cómo iba yo a almorzar nonada.

A la mesa de un buen amigo he almorzado
con su padre recién llegado del mundo,
con sus canas tías que hablan
en tordillo retinte de porcelana,
bisbiseando por todos sus viudos alvéolos;
y con cubiertos francos de alegres tiroriros,
porque estánse en su casa. Así, ¡qué gracia!
Y me han dolido los cuchillos
de esta mesa en todo el paladar.

El yantar de estas mesas así, en que se prueba
amor ajeno en vez del propio amor,
torna tierra el brocado que no brinda la
MADRE,
hace golpe la dura deglución; el dulce,
hiel; aceite funéreo, el café.

Cuando ya se ha quebrado el propio hogar,
y el sírvete materno no sale de la
tumba,
la cocina a oscuras, la miseria de amor.