Para o Osvaldo Manuel Silvestre
Falha o sopro na flauta de cana ...
e rebate os cascos fendidos
nos remansos da lagoa anaeróbica,
cujos lodos bacterianos, degradados,
o ar incensam de gás sulfídrico,
pondo em fuga rãs saltadoras,
com estranhas mutações
e pentâmetras pernas.
e rebate os cascos fendidos
nos remansos da lagoa anaeróbica,
cujos lodos bacterianos, degradados,
o ar incensam de gás sulfídrico,
pondo em fuga rãs saltadoras,
com estranhas mutações
e pentâmetras pernas.
Dança depois na grade decantadora,
cadafalso que se abre sob a cascata
de águas residuais
e as deixa a estrebuchar no leito espúmeo
de óleos, adubos, solventes
e humanais detritos
por algas e micróbios digeridos com fartura.
cadafalso que se abre sob a cascata
de águas residuais
e as deixa a estrebuchar no leito espúmeo
de óleos, adubos, solventes
e humanais detritos
por algas e micróbios digeridos com fartura.
São os seus últimos dias.
Podeis vê-lo sem rumo e sem tino
a eludir o sol com o prémio da cabeça.
Podeis vê-lo sem rumo e sem tino
a eludir o sol com o prémio da cabeça.
À noite adormece na barraca mais esconsa,
erguida com despojos de mil vidas
sentenciadas à felicidade
e de carreiras cevadas no triunfo e na dominação.
erguida com despojos de mil vidas
sentenciadas à felicidade
e de carreiras cevadas no triunfo e na dominação.
São os seus últimos dias:
podeis vê-lo recostado no tanque de sedimentação
a sonhar com o espondeu das águas,
o troqueu dos seixos, o dáctilo
das canas, o anapesto das cigarras.
podeis vê-lo recostado no tanque de sedimentação
a sonhar com o espondeu das águas,
o troqueu dos seixos, o dáctilo
das canas, o anapesto das cigarras.
Dá medo vê-lo assim tão alheado, tão distraído,
tão embestado na sua insofrível utopia.
Não tarda faz-se roubar e espancar por algum agarrado,
fica para aí caído numa moita. Um dia destes matam-no:
surpreendido entre as sebes a colher as últimas amoras,
um só tiro bastará, ou nem tanto – uma paulada,
como nos coelhos se usava.
tão embestado na sua insofrível utopia.
Não tarda faz-se roubar e espancar por algum agarrado,
fica para aí caído numa moita. Um dia destes matam-no:
surpreendido entre as sebes a colher as últimas amoras,
um só tiro bastará, ou nem tanto – uma paulada,
como nos coelhos se usava.
Um dia destes encontram-lhe o cadáver dançarino
metido no poço de algum prédio inacabado,
morto e remorto,
para que não volte cá o seu fantasma.
metido no poço de algum prédio inacabado,
morto e remorto,
para que não volte cá o seu fantasma.
Porque os homens não se contentam com matar,
querem matar ainda os fantasmas do que matam.
querem matar ainda os fantasmas do que matam.
Rui Lage, Estrada Nacional, INCM
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