sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um cego

Um cego

Não sei qual é a cara que me mira
Quando olho minha cara em um espelho;
Em seu reflexo não sei quem é o velho
Que me olha com cansada e muda ira.

Lento na sombra, com a mão exploro
As invisíveis rugas. Eis que assoma
Um lampejo. Vislumbro a tua coma
Que hoje é cinza ou ainda é de ouro.

Repito que perdi unicamente
A aparência superficial das cousas.
O consolo é de Milton e é potente,

Mas penso nas palavras e nas rosas.
Penso que se pudesse ver-me a cara
Saberia quem sou na tarde rara.

 Jorge Luis Borges
 trad. de Augusto de Campos


Un ciego

No sé cuál es la cara que me mira
Cuando miro la cara del espejo;
No sé qué anciano acecha en su reflejo
Con silenciosa y ya cansada ira.

Lento en mi sombra, con la mano exploro
Mis invisibles rasgos. Un destello
Me alcanza. He vislumbrado tu cabello
Que es de ceniza o es aún de oro.

Repito que he perdido solamente
La vana superficie de las cosas.
El consuelo es de Milton y es valiente,

Pero pienso en las letras y en las rosas.
Pienso que si pudiera ver mi cara
Sabría quién soy en esta tarde rara.



BORGES, Jorge Luis. Quase Borges. 20 poemas e uma entrevista. Traduções de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013.

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