segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ariel

Sylvia Plath )

Estancamento no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.

Leoa do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco

Afunda e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.

Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...

Negro, doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro vôo

Me arrasta pelo ar...
Coxas, pêlos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.

E então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança

Escorre pela parede.
E eu
Sou a flexa,

O orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho

Vermelho, caldeirão da manhã.

(tradução de Ana Cândida Perez e Ana Cristina César)

Ariel


Stasis in darkness.
Then the substanceless blue
Pour of tor and distances.

God's lioness,
How one we grow,
Pivot of heels and knees! — The furrow

Splits and passes, sister to
The brown arc
Of the neck I cannot catch,

Nigger-eye
Berries cast dark
Hooks —

Black sweet blood mouthfuls,
Shadows.
Something else

Hauls methrough air —
Thighs, hair;
Flakes from my heels.

White
Godiva, I unpeel —
Dead hands, dead stringencies.

And now I
Foam to wheat, a glitter of seas.
The child's cry

Melts in the wall.
And I
Am the arrow,

The dew that flies
Suicidal, at one with the drive
Into the red

Eye, the cauldron of morning.


O Colosso

The Colossus - Sylvia Plath.

O Colosso

I shall never get you put together entirely,
Pieced, glued, and properly jointed.
Mule-bray, pig-grunt and bawdy cackles
Proceed from your great lips.
It´s worse than a barnyard.
.

Eu nunca vou conseguir juntar você inteiramente,
Encaixado, colado, e propriamente ajustado.
Mula-zurro, porco-grunhido e indecentes cacarejos
Procedem de seus lábios grandes.
É pior que um quintal de fazenda.
.
Perhaps you consider yourself an oracle,
Mouthpiece of the dead, or of some god or other.
Thirty years now I have labored
To dredge the silt from your throat.
I am none the wiser.
.
Talvez você se considere um oráculo,
Bocal dos mortos, ou de algum deus ou outro.
Trinta anos já eu tenho labutado
Para dragar o lodo de sua garganta.
Não estou sequer mais sábia.
.
Scaling little ladders with gluepots and pails of lysol
I crawl like an ant in mourning
Over the weedy acres of your brow
To mend the immense skull plates and clear
The bald, white tumuli of your eyes.
.
Escalando escadinhas com tubos de cola e vasilhas
Eu rastejo como uma formiga em luto
Sobre os acres ervinhados de sua fronte
Para restaurar as imensas placas cranianas e limpar
Os calvos, brancos túmulos dos seus olhos.
.
A blue sky out of the Oresteia
Arches above us. O father, all by yourself
You are pithy and historical as the Roman Forum.
I open my lunch on a hill of black cypress.
Your fluted bones and acanthine hair are littered

.
Um céu azul saído da Orestéia
Ergue-se em arco sobre nós. Ó pai, por si só
Você é pujante e histórico como o Fórum Romano.
Inauguro meu almoço numa colina de ciprestes pretos.
Seus ossos aflautados e cabelos de acantina entulham-se
.
In their old anarchy to the horizon-line.
It would take more than a lightning-stroke
To create such a ruin.
Nights, I squat in the cornucopia
Of your left ear, out of the wind,

.
Na velha anarquia deles até a linha do horizonte.
Seria necessário mais que a queda de um raio
Para criar tal ruína.
Noites, eu me agacho na cornucópia
De sua orelha esquerda, fora do vento,
.
Counting the red stars and those of plum-color.
The sun rises under the pillar of your tongue.
My hours are married to shadow.
No longer do I listen for the scrape of a keel
On the blank stones of the landing.

.
Contando as estrelas vermelhas e as cor-de-ameixa.
O sol se levanta sob o pilar de sua língua.
Minhas horas estão casadas com a sombra.
Não me ponho mais a escutar um arranhar de quilha
Nas pedras vazias do atracadouro.
.
Sylvia Plath (1960)
.
Versão colossal: Ivan Justen Santana

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Lady Lázaro

Lady Lázaro
(tradução de Mariana Ruggieri do poema "Lady Lazarus" de Sylvia Plath)
(original abaixo)

Eu o fiz de novo
Um ano em cada dez
Eu agüento

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilhante tal qual um abajur nazista
Meu pé direito

Um peso de papel,
Minha face, como um pano inexpressivo, delicado
Em linho judeu.

Tire o lenço
Ó, meu inimigo
Eu te assusto?

O nariz, o orifício ocular, a dentição plena?
O hálito azedo
Se esvairá em um dia.

Logo, logo a carne
Que a gruta do túmulo comeu se sentirá
Em casa sobre mim

E eu, uma mulher sorridente.
Eu, com apenas trinta anos.
E como o gato tenho nove vezes para morrer

Esta é o número três.
Que lixo
Aniquilar a cada década.

Que milhões de filamentos.
A multidão vulgar
Se acotovela para ver

Eles me desembrulharem mão e pé.
O grande strip tease.
Senhores, senhoras

Eis as minhas mãos
Eis os meus joelhos.
Posso ser pele e osso

Contudo, sou a mesma, idêntica mulher.
Na primeira vez que aconteceu eu tinha dez anos.
Foi um acidente.

Na segunda vez eu pretendi
Agüentar e nem sequer voltar.
Eu fechei em pedra

Como uma concha do mar.
Eles tiveram que chamar e chamar
E arrancar de mim os vermes, pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte como todo o resto.
Eu o faço excepcionalmente bem.

Eu o faço para saber o inferno.
Eu o faço para saber a real.
Eu suponho que se possa dizer que eu tenho um chamado.

É fácil fazê-lo em uma cela.
É fácil fazê-lo e permanecer estático.
É o teátrico

Retorno, em plena luz do dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, aos mesmos brutos
Entretidos gritando

“um milagre!”
Isso me estarrece.
Há um custo

Para ver as minhas cicatrizes, há um custo
Para sentir o meu coração
Ele realmente pulsa.

E há um custo, um grande custo
Por uma palavra, ou um toque
Ou um pouco de sangue

Ou um pedaço do meu cabelo ou um pedaço da minha roupa.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Eu sou sua composição
Eu sou seu pertence
O bebê de ouro puro

Que derrete a um grito estridente.
Eu me viro e ardo.
Não pense que eu subestimo sua grande preocupação.

Cinzas, cinzas
Você cutuca e revolve.
Carne, osso, não há nada lá.

Um sabonete,
Uma aliança,
Um dente de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado
Cuidado.

De dentro das cinzas
Eu desponto, meu cabelo em fogo
E devoro homens como ar.


Lady Lazarus

I have done it again.
One year in every ten
I manage it–

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify?–

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see

Them unwrap me hand and foot–
The big strip tease.
Gentlemen, ladies

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

‘A miracle!’
That knocks me out.
There is a charge

For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart–
It really goes.

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

Ash, ash–
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there–

A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.

Sylvia Plath