terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Quando eu te desposar, teus dias

 Quando eu te desposar, teus dias



Quando eu te desposar, teus dias

     Serão dignos de invejas;

Desfrutarás mil alegrias

     E ociosidade régia.


Hei de perdoar-te mau humor,

     E queixas mas -- é claro –

Se não cobrires de louvor

     Meu verso, eu me separo.



Und bist du erst mein ehlich Weib



Und bist du erst mein ehlich Weib,

     Dann bist du zu beneiden,

Dann lebst du in lauter Zeitvertreib,

     In lauter Pläsier und Freuden.


Und wenn du schiltst und wenn du tobst,

     Ich werd es geduldig leiden;

Doch wenn du meine Verse nicht lobst,

     Laß ich mich von dir scheiden.



HEINE, Heinrich. "Und bist du erst mein ehlich Weib" / "Quando eu te desposar". In: ASCHER, Nelson (trad. e org.). Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

FÁBULA

Um pensamento pensado

até a total exaustão

termina por geminar

no mesmo exato lugar

sua exata negação.


Enquanto isso, uma ideia

trauteada numa flauta

faz uma cidade erguer-se -- 

é claro, sem alicerces,

mas ninguém dá pela falta.


BRITTO, Paulo Henriques. "Fábula". In: "Formas do nada" (2012). In: Por ora. Poesia reunida (1982-2018). Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa, 2021.

Com o tempo a sabedoria

 Com o tempo a sabedoria


Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;

Ao longo dos enganadores dias da mocidade,

Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;

Agora posso murchar no coração da verdade.



The coming of wisdom with time


Though leaves are many, the root is one;

Through all the lying days of my youth

I swayed my leaves and flowers in the sun;

Now I may wither into the truth.


YEATS, W.B. "The coming of wisdom with time" / "Com o tempo a sabedoria". In: Uma antologia. Trad. de BAPTISTA, José Agostinho (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010)



Rumor do mundo

 As palavras, vício 

torpe, antigo. 

As últimas? As primeiras? 

Como os ouriços 

abrem-se ao rumor do mundo:

o sol ainda verde dos limões, 

os esquilos 

doutras tardes, o latido 

da chuva nas janelas, 

os velhos em redor do lume 

— nunca foram tão belas.


Eugénio Andrade