sábado, 23 de janeiro de 2010

PÔR DO SOL

PÔR DO SOL

Onde estás? A alma anoitece-me bêbada,
De todas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite.

Ecoavam ao redor dos bosques e as colinas;
Ele no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotadas
Que o homem ainda.
(Trad. de Manuel Bandeira)


Friedrich HÖLDERLIN

Sonnenuntergang

Wo bist du? trunken dämmert die Seele mir
Von aller deiner Wonne; denn eben ist's,
Dass ich gelauscht, wie, goldner Tone
Voll, der entzückende Sonnenjüngling

Sein Abendlied af himmlischer Leier spielt’;
Es tönten rings die Wälder und Hügel nach.
Doch fern ist er zu frommen Völkern,
Die ihn noch ehren, hinweggegangen.


HÖLDERLIN, Friedrich. "Gedichte 1796-1799". Sämtliche Werke und Briefe. München: Carl Hanser, 1970.


Tradução:
BANDEIRA, Manuel. "Poemas traduzidos". Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ADORMECIDO NO VALE

É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.

Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.

Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.

E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito.


Rimbaud
(Tradução: Ferreira Gullar)


LE DORMEUR DU VAL


C'est un trou de verdure où chante une rivière,
Accrochant follement aux herbes des haillons
D'argent; où le soleil, de la montagne fière,
Luit: c'est un petit val qui mousse de rayons.


Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue,
Et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
Dort; il est étendu dans l'herbe, sous la nue,
Pâle dans son lit vert où la lumière pleut.


Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
Sourirait un enfant malade, il fait un somme:
Nature, berce-le chaudement: il a froid.


Les parfums ne font pas frissonner sa narine;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine,
Tranquille. Il a deux trous rouges au côté droit.


Rimbaud

sábado, 16 de janeiro de 2010

Palavra / Ein Wort

Palavra, frase: um signo embala
com súbito sentido a vida,
o sol detém-se, o céu se cala
e tudo adquire uma medida.

Palavra, chispa, voo, clarão
e rastros de astros no céu;
e torna o breu, a imensidão
e em meio ao nada o mundo e eu.

Gottfried Benn (transcriação de Antonio Cicero)


Ein Wort


Ein Wort, ein Satz –: Aus Chiffern steigen
erkanntes Leben, jäher Sinn,
die Sonne steht, die Sphären schweigen
und alles ballt sich zu ihm hin.


Ein Wort –. ein Glanz, ein Flug, ein Feuer,
ein Flammenwurf, ein Sternenstrich –,
und wieder Dunkel, ungeheuer,
im leeren Raum um Welt und Ich.




BENN, Gottfried. Gedichte in der Fassung der Erstdrucke. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 1982.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles