terça-feira, 30 de junho de 2009

Uma Arte / One Art

Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Elizabeth Bishop (Tradução de Paulo Henriques Britto)


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.


--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Elizabeth Bishop

sábado, 20 de junho de 2009

Canción de jinete / Canção do ginete

Canción de jinete

Córdoba.
Lejana y sola.

Jaca negra, luna grande,
y aceitunas en mi alforja.
Aunque sepa los caminos
yo nunca llegaré a Córdoba.

Por el llano, por el viento,
jaca negra, luna roja.
La muerte me está mirando
desde las torres de Córdoba.

¡Ay que camino tan largo!
¡Ay mi jaca valerosa!
¡Ay que la muerte me espera,
antes de llegar a Córdoba!

Córdoba.
Lejana y sola

Federico García Lorca.


Canção do ginete

Córdoba.
Longínqua e só.

Mula negra
E azeitonas em meu alforge
Ainda que eu saiba os caminhos
Eu nunca chegarei a Córdoba.

Pelo plano, pelo vento,
Mula negra, lua rosa.
A morte me está olhando
Desde as torres de Córdoba.

Ai que caminho tão longo!
Ai minha mula valorosa!
Ai, que a morte me espera
Antes de chegar a Córdoba!

Córdoba.
Longínqua e só.

Tradução de Jayme Ferreira Bueno

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Balada das damas do tempo ido

Dizei-me onde, em qual país,
Anda Flora, a bela romana
Arquipíades, ou Taís,
Que foi sua prima-germana?
Eco a falar, voz que se emana,
Qual rumor, de rios e planos:
Que beleza foi mais que humana?
E onde estão as neves dos anos?

Da sábia Heloísa quem diz,
Por quem, castrado, fez-se monge
Pedro Abelardo em Saint-Denis?
Por seu amor sofreu tão longe.
E a rainha, também sem pena,
Que mandou forrar Buridano
Com um saco e jogá-lo ao Sena?
E onde estão as neves dos anos?

A Rainha Branca qual lis
A cantar com voz de sereia,
Berta-Pé Grane, Alis, Beatriz
Haremburgues, que o Maine alteia,
E a brava Lorena, a Joana,
Quem em Rouen, queimaram os anglos:
Onde estão, Virgem Soberana?
E onde estão as neves dos anos?

Príncipe, quereis na semana
Ter resposta? Nem este ano,
Pois o refrão não vsos engana:
E onde estão as neves dos anos?

Tradução De Sebastião Uchoa Leite

Dites-moi où, n'en quel pays,
Est Flora la belle Romaine,
Archipiades, ne Thaïs,
Qui fut sa cousine germaine,
Echo, parlant quant bruit on mène
Dessus rivière ou sur étang,
Qui beauté eut trop plus qu'humaine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

Où est la très sage Héloïs,
Pour qui fut châtré et puis moine
Pierre Esbaillart à Saint-Denis ?
Pour son amour eut cette essoine.
Semblablement, où est la roine
Qui commanda que Buridan
Fût jeté en un sac en Seine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

La roine Blanche comme un lis
Qui chantait à voix de sirène,
Berthe au grand pied, Bietrix, Aliz,
Haramburgis qui tint le Maine,
Et Jeanne, la bonne Lorraine
Qu'Anglais brûlèrent à Rouen ;
Où sont-ils, où, Vierge souvraine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

Prince, n'enquerrez de semaine
Où elles sont, ni de cet an,
Que ce refrain ne vous remaine :
Mais où sont les neiges d'antan ?

François Villon

domingo, 7 de junho de 2009

Que nenhuma estrela queime o teu perfil

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 6 de junho de 2009

DESPERTAR

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa
canto na ave, água no mar.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Desse leite profundo emergido do sonho

Desse leite profundo emergido do sonho
coagulou-se essa ilha e essa nuvem e esse rio
e essa sombra bulindo e esse reino e esse pranto
e essa dança contínua amortalhada e pia.

Hoje brota uma flor, amanhã fonte oculta,
e depois de amanhã, a memória sepulta
aventuras e fins, relicários e estios;
nasce a nova palavra em calendários frios.

Descobrem-se o mercúrio e a febre e a ressonância
e esses velosos pés e o pranto dessa vaca
indo e vindo e nascendo em leite e morte e infância.

E em cada passo surge um serpentário de erros
e uma face sutil que de repente estaca
os meninos, os pés, os sonhos e os bezerros.

Jorge de Lima "Invenção de Orfeu"